APRESENTAÇÃO

Cem Textos de História da China é, antes de tudo, um guia sobre a história dessa civilização, mas através de suas próprias vozes. Em português, temos vários “livros fontes” que cobrem períodos diversos da história ocidental, e que serviram de modelo para a construção deste nosso trabalho. No entanto, nenhum deles ainda tinha se aventurado, diretamente, no âmbito das culturas asiáticas. Algumas questões básicas foram determinantes para isso – desde o desinteresse da academia até mesmo a inexistência de especialistas habilitados a realizá-lo – e o que pretendemos, portanto, é cobrir esta lacuna, ainda que de modo bastante geral e introdutório.

O caso específico da história chinesa guarda, contudo, dificuldades específicas; como podemos cobrir algo em torno de 5 mil anos de existência em apenas cem textos? A história ocidental pode ser dividida, classicamente, em períodos razoavelmente delimitados, o que gera uma possibilidade (mesmo que controversa) de determinar quais textos podem expressá-los. A China, porém, não segue esta cronologia, e tal tentativa – inserir marcos temporais ocidentais para compartimentar seu desenrolar histórico e cultural – seria totalmente artificial.

O que veremos nesta sucinta coletânea é uma tentativa de apresentar a China por suas próprias vozes e meios, buscando centralizar a apresentação dos textos em tópicos específicos. Inevitáveis omissões, bem como o critério de escolha, foram organizados por mim, que irei explicar a seguir.

A dificuldade de um critério

Para construir uma apresentação geral, e ao mesmo tempo reduzida, da história e da cultura chinesa, existem algumas dificuldades prementes que se impõe em sua elaboração.

A primeira idéia seria de organizar uma apresentação por autores, arrumados em ordem cronológica, o que inevitavelmente resultaria num livro volumoso – o que não é, de imediato, nossa proposta. O problema central deste método, no entanto, é que os autores chineses falam, muitas vezes, sobre assuntos diversos – um letrado poderia escrever tanto sobre economia quanto poesia – o que nos levaria ou a escolher um assunto que marca predominantemente a obra de um autor ou, que reduziria seriamente a lista de escritores que poderíamos utilizar.

O mesmo pode ser dito de uma apresentação organizada em torno, especificamente, das obras. Como alguns livros são almanaques de assuntos diversos, escolher um único tema que representasse a obra seria, por vezes, descaracterizá-la. Além disso, os aspectos temporais se impõem aqui como uma condição de continuidade das obras. O Liji (Recordações dos Rituais), por exemplo, é uma fonte de referência ao longo de milênios na cultura, enquanto outras obras têm uma importância somente contextual.

Por esta mesma razão exposta acima, decidi não utilizar o critério temporal, como havia comentado. A divisão por marcos ocidentais – época antiga, medieval, moderna, etc – se acoplam casualmente ao curso dos acontecimentos chineses, mas não os definem de modo eficaz (a dinastia Tang, um dos momentos brilhantes da era imperial ocorre, por exemplo, durante as primeiras crises da era medieval na Europa); poderíamos também utilizar as divisões dinásticas que a própria história da China utilizou para organizar suas fases, mas ainda assim, elas não dariam conta de representar a continuidade de certos textos e autores na formação ideológica da mesma.

Por fim, escolhi como método para apresentação dos textos a divisão já consagrada em temas (história, economia, política, etc.) que é um tanto estranha à tradição chinesa, mas que facilitaria a compreensão ocidental sobre as visões de mundo desta cultura. Ressalvas, porém, são necessárias. Lembremos, antes de tudo, que o objetivo da coletânea é mostrar o desenvolvimento geral desta civilização, o que implica em descontinuidades temporais e intelectuais. Muitas vezes, podemos ser levados a acreditar que a preeminência de textos antigos denotaria certo imobilismo por parte desta civilização, mas este é um engano tremendo. Logo na primeira seção, História, veremos que o debate sobre as teorias para compreensão da história evoluíram constantemente; assim sendo, o fato dos chineses recorrerem a exemplos do passado não implica, necessariamente, numa “não-evolução”, como alguns autores ocidentais quiseram entender. Lembremos que até a metade do século 20 muitos currículos escolares ocidentais ainda mantinham o estudo do grego, latim e dos clássicos greco-romanos como disciplinas básicas.

Do mesmo modo, a apresentação em tópicos mantém a possibilidade de propor as visões diversas que os autores possuíam sobre os temas em questão. Citemos novamente o caso do Liji; esta riquíssima fonte serviu de escopo para inúmeras questões culturais envolvendo a ideologia chinesa, e aparecerá em vários momentos de nossa coletânea; já o Shanhaijing (Tratado das Montanhas e dos Mares) trata-se de uma coletânea única e exclusiva de personagens, casos e temas mitológicos, e sua aparição está circunscrita ao tema Religião.

Assim sendo, compreendo as limitações desta coletânea, mas espero que ela sirva de guia para aqueles que pretendem iniciar um estudo sério sobre a civilização chinesa. Em cada tópico, uma breve apresentação explicará os pontos fundamentais da escolha de cada texto, e o que eles pretendem. Ao fim, uma cronologia e a bibliografia servirão de referência para os interessados em prosseguir no exigente, porém recompensador, caminho da Sinologia.

André Bueno
2009

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