POLÍTICA

O onipresente Confúcio foi, igualmente, o idealizador de um conceito notável de estrutura política para a China Antiga. Em sua visão, as dinastias chinesas recebiam do Céu (Tian – um conceito de sistema ecológico–político) o poder para manter a ordem no mundo, por meio da harmonia com a natureza e do provimento do povo. Este poder se chamava “Mandato do Céu”, e por esta razão os imperadores eram, igualmente, nomeados como “Filhos do Céu”. Tal Mandato entendia, igualmente, a defesa de uma ordem moral e de um conjunto de obrigações que, se não fossem cumpridas, implicavam na retirada do Mandato por parte do Céu – e, conseqüentemente, a queda de uma dinastia. O discurso do Mandato aparece no Shujing, mas no Liji, Confúcio também reproduz um diálogo sobre o que consistiria a Arte de Governar. Foram os Legistas os principais críticos deste pensamento político, pretendendo uma centralização forte do poder político em torno do príncipe. O texto de Hanfeizi nos dá uma idéia do que seria o poder do novo imperador; já o texto de Lisi no apresenta a primeira queima de livros da China, surgida em função desta centralização, e da necessidade de se extirpar os pensamentos diferentes. No entanto, a ascensão dos Han (-206) modifica este painel, resgatando Confúcio, mas inserindo novas idéias no plano das ideologias políticas. O texto de Lujia (séc. -3 -2) é a sistematização de uma nova teoria política, que incorporava confucionismo, daoísmo (ver Filosofia) e mesmo alguma coisa do legismo. Dong Zhongshu foi um pouco mais além, inserindo as relações de poder numa ordem cósmica e natural tal como proposto por Confúcio, mas através de uma nova análise, calcada na relação entre o confucionismo e as teorias da escola cosmológica (ver Filosofia). As teorias de legitimação de Dong são o cerne do poder imperial, embora sejam pouco conhecidas. O texto de Sima Guang nos apresenta a organização do poder imperial e administrativo na época Han, que serviria de modelo paras a dinastias posteriores. Quanto ao texto de Huang Zongxi (1610 + 1695), este se constitui numa crítica ao entendimento do que é o exercício da política em seu tempo, denotando que a ideologia da administração imperial não foi sempre aceita de modo tácito. As crises que se sucederam no final do império chinês levaram a criação de novas ideologias políticas, tal como a proposta por Sun Yatsen (1866+1925), pai e criador da República Chinesa, para a construção de um novo país e a superação do passado. Suas teorias envolviam concepções de democracia, socialismo, e mesmo da tradição chinesa. Já Maozedong (1893+1976) compreendia o comunismo de um modo alternativo, buscando adequado-o a realidade social da China. Deng Xiaoping (1904+1997), mentor intelectual das mudanças modernas no comunismo chinês, surge aqui como autor de duas direções fundamentais para orientações política das gerações seguintes; na primeira, com a concepção de Um país, Dois sistemas, responsável por assimilar Macau e Hong Kong à China comunista, respeitando, porém, certas peculiaridades de ambos (este sistema seria empregado, igualmente, nas chamadas Zonas Econômicas Especiais, pólos de rápida industrialização que surgiram na China nas décadas de 80 e 90); no segundo texto, os princípios da teoria da Coexistência Pacífica internacional, dirigidos especificamente ao caso de Taiwan, que a China espera reintegrar dentro das linhas propostas no primeiro texto.



25. Shujing – o Mandato Celeste.
É no Shujing que aparece o texto em que se definem as linhas gerais do mandato do céu – Tian Ming. Foi Confúcio que criou esta interpretação sobre os ciclos dinásticos – provavelmente, baseado em crenças mais antigas. No entanto, após o seu texto, o termo tornou-se um dos conceitos chaves para a compreensão da vida política da China, sendo usado até o final do império em 1911. O texto a baixo explica como surgiu, no que consiste e como se aplica o mandato, bem como a definição do imperador como “filho do céu”.

Oh! O Deus que habita os Grandes Céus modificou os seus decretos a respeito do seu grande filho e da grandiosa dinastia de Yin. Foi o nosso rei investido nesse decreto. A felicidade sem limites a ele está ligada e ilimitada é a nossa ansiedade; - Oh! Como poderá ser o rei senão reverente?

Quando o Céu rejeitou e pôs termo ao decreto em favor da grande dinastia de Yin, nele se encontravam muitos dos seus antigos e sábios reis. O rei, entretanto, que deveria suceder-lhes, o último de sua raça, procedeu de tal forma desde que assumiu o mandato, que até chegou a manter os sábios na obscuridade e os viciosos nos cargos. Os pobres, nessas circunstâncias, carregando os filhos e conduzindo as mulheres, erguerem aos Céus as suas lamentações. Fugiram, mas foram novamente presos. Oh! O Céu teve compaixão do povo das quatro regiões; o seu decreto favorecedor recaiu em nossos zelosos fundadores. Que o rei cuidadosamente cultive a virtude da reverência.

Analisando os homens da Antigüidade, vemos que existiu o fundador da dinastia de Xia. O Céu guiou-lhe o espírito, permitiu que os seus descendentes o sucedessem e os protegeu. Ele se tornou familiar ao Céu e foi-lhe obediente. Com o passar do tempo, entretanto, caiu por terra o decreto com o seu favor. Assim também ora acontece, ao examinarmos o caso de Yin. Houve a mesma orientação do seu fundador, que, corrigiu os erros de Xia, cujos descendentes gozaram da proteção do Céu. Ele também foi familiar e obediente ao Céu. Agora, porém, o decreto em seu favor caiu por terra. Sobe hoje ao trono o nosso rei, na juventude; que ele não desdenhe dos mais velhos e dos experientes, porque se pode afirmar que eles estudaram a virtuosa conduta dos antigos e amadureceram os seus conselhos na contemplação do Céu.

Oh! Embora moço, o rei é o grande filho do Céu. Que ele promova a plena harmonia do povo aqui da terra e seja a benção dos nossos tempos. Que não ouse o rei ser omisso nesse particular, mas sim, continuamente considere a perigosa incerteza do devotamento do povo e, diante dela, fique cheio de temor.

Que o rei advenha como vice - regente do Céu e assuma as atribuições do governo, neste centro da terra. [...] Que o rei primeiro subordine a si próprio os que foram administradores dos negócios do nosso Zhou. Isso regulará as suas perversas naturezas e eles progredirão cada dia. Que o rei faça da reverência o remanso do seu espírito; ele deve conservar a virtude da reverência.

Cumpre-nos, certamente, analisar as dinastias de Xia e Yin. Eu não presumo que saiba nem digo: "A dinastia de Xia devia gozar do favorecedor decreto do Céu, durante tantos anos”; não presumo que saiba nem digo: "Ela já não poderia perdurar". O fato, simplesmente, foi o seguinte: carecendo a mesma da virtude da reverência, o decreto prematuramente caiu por terra, com o seu favor. Analogamente, não presumo que saiba nem digo: "A dinastia de Yin devia gozar do favorecedor decreto do Céu precisamente durante tantos anos”; não presumo que saiba nem digo: "Ela já não poderia perdurar". O fato, simplesmente, foi o seguinte: carecendo a mesma da virtude da reverência, o decreto prematuramente caiu por terra, com o seu favor. O rei ora herdou esse decreto - o mesmo decreto, eu presumo, que pertenceu àquelas duas dinastias. Que ele procure herdar as virtudes dos seus meritórios soberanos; que o faça especialmente no início das suas atribuições.

Oh! É como se fosse o nascimento de um filho, quando tudo depende da instrução dos primeiros anos de vida, durante os quais ele é capaz de assegurar a sua sabedoria futura, como se ela fosse decretada. Ora, o Céu, poderá haver decretado a sabedoria do rei; poderá haver decretado a sua boa ou má fortuna; poderá haver decretado para ele um largo curso de anos; não só sabemos que lhe compete, agora, dar início às suas atribuições. Residindo nesta nova cidade, que o rei cuidadosamente cultive a virtude da reverência. Quando se devotar plenamente a essa virtude, poderá elevar as suas preces aos Céus, solicitando um duradouro decreto em seu favor.

Que ele não ouse, como rei e em virtude dos excessos do povo na transgressão das leis, governar com a violenta imposição da morte; - quando o povo é dirigido com brandura, o mérito do governo se torna patente. Compete-lhe, na qualidade de rei, exceder a todos em virtude. Assim o povo o imitará por todo o reino e ele será ainda mais ilustre.

Que o rei e os ministros trabalhem com mútua simpatia, dizendo: "Recebemos o decreto do Céu e ele será tão grande como os largos anos de Xia; - sim, ele não falhará aos largos anos de Yin". Desejo que o rei, graças ao devotamento do povo aqui da terra, receba o duradouro decreto do Céu.



26. Liji – como governar?
Nesta entrevista com o Duque Ai, um dos poucos nobres que mantinham boas relações com Confúcio, o mestre explica-lhe as diretrizes básicas para um bom governo. O texto do Liji seria tido como referência nas dinastias subseqüentes, ainda que a sociedade mudasse radicalmente ao longo dos séculos.

Confúcio estava sentado em companhia do Duque Ai, e o duque perguntou: - "Qual é, em vossa opinião, a mais alta condição do progresso humano?" Confúcio assumiu um ar muito grave, e respondeu: - "É uma felicidade para o povo, que Vossa Alteza me haja formulado essa pergunta. Farei o que estiver ao meu alcance para responder bem: a mais alta condição do progresso humano é o bom governo."

O duque: - "Posso indagar qual seja a arte do bom governo?"

Confúcio: - "A arte do governo consiste simplesmente em fazer bem as coisas, ou seja, pôr as coisas em seus devidos lugares. Quando o próprio governante procede “bem", o povo imita-o naturalmente no bom procedimento. O povo apenas segue o que o governante faz - pois se o governante não faz, como há de o povo saber o que e como fazer?"

O duque: - "Falai com maior minúcia, dessa arte do governo”.

Confúcio: - "O marido e a mulher devem ter obrigações diversas. Os pais e os filhos devem ter afeição uns pelos outros. O rei e seus vassalos devem observar uma disciplina rígida. Quando estas três coisas vão bem, tudo irá bem".

O duque: - "Podeis esclarecer-me um pouco mais quanto à maneira de realizar essas três coisas, inepto como sou?".

Confúcio: - "Os governantes antigos consideravam o amor ao povo como principal norma de governo, e a “Li” (Ritos, Regras de Conduta) como principal norma segundo a qual reger o povo que amavam. No culto à “Li” a noção de respeito é a mais importante, e como símbolo máximo desse respeito a cerimônia do casamento do soberano é a mais importante. A cerimônia das núpcias reais é o símbolo máximo do respeito, e, por ser o símbolo máximo do respeito, o próprio rei vai, ostentando a sua coroa, saudar a princesa e acompanhá-la em pessoa desde a casa dela, tão alto é o grau de parentesco que ele atribui à noiva. O rei vai pessoalmente porque as relações de família são consideradas inteiramente pessoais. Negligenciar essas manifestações de respeito é desmerecer as relações pessoais. Sem amor não haverá relações pessoais, e sem respeito não haverá boas relações. Amor e respeito são, assim, os fundamentos do governo.".



27. Hanfeizi – como um monarca deve agir?
Como um monarca deve agir? A preocupação de Hanfeizi, um dos principais articuladores da unificação Qin, resultou num bem articulado sistema de punição, recompensa e vigilância, organizado uma forma totalitária e desumana de poder. A visão legista de mundo antecipou em séculos as propostas de Maquiavel, na Europa, e redundou na união da China Antiga – ao custo de milhares de vidas, porém.


Existem três princípios que todo o monarca deve observar, pois trazem segurança para a nação e dignidade para sua figura; caso contrário, ameaçam a existência de ambos. E quais são estes três princípios? Primeiro, nunca compartilhar com aduladores ou chegados a confiança que é dispensadas aos ministros dedicados que o informam sobre os fracassos, os erros políticos, e as conspirações ocultas dos demais ministros; porque, se souberem que estas informações podem chegar aos ouvidos deste chegados, teriam então receio de falar a verdade, e só diriam aquilo que pode agradar a estes aduladores. E o que resultaria isso? Que os monarcas ficariam sem ministros fiéis e de boa fé.

Segundo: os monarcas devem sempre premiar ou castigar quando pensam que devem fazê-lo, sem necessidade de esperar que os ditos chegados exaltem seus protegidos ou acusem a quem lhes interessa; do contrário, estaria concedendo poder demais a estes aduladores, e consequentemente, perdendo o seu próprio.

Terceiro: nunca permitir que os ministros, que são os raios da roda, levados pelo abandono de seu trabalho, convertam-se no eixo do carro; ou seja, que o poder de vida e morte dos súditos, de prêmio e castigo, acabe nas mãos dos ministros, pois isso traria grande prejuízo. Estes são os três princípios que se deve cumprir pontualmente; não fazer isso implica no perigo de usurpação e morte.

[...]

Se deve governar segundo as tendências dos homens. E quais são estas tendências? Buscar e evitar, querer e aborrecer. Por isso o sistema legal de premiar com o que desejam, e punir com o que os aborrecem – este é m fundamento eficaz para a lei, e, havendo lei, o governo será perfeito.

Para que o mandato dos monarcas seja cumprido, e acatadas sejam suas proibições, temos que ter poder e autoridade; poder absoluto para emitir e não emitir penas de morte, e autoridade para submeter o povo. E o que devemos fazer para não desacreditar o poder e não perder a autoridade? Primeiro: nunca devem instaurar nem abolir leis, nem permitir punições ou prêmios, senão por um critério fixo e claro; segundo, nunca permita que seus ministros castiguem ou premiem, ou sua autoridade ficaria abalada.

Por isso, se os monarcas tiverem claras suas idéias, escutariam as propostas de seus ministros livres de preferências pessoais e depois, fariam planos de governo livres de seus próprios gostos. Verificariam exaustivamente se o que dizem os ministros é verdade ou mentira, porque poderiam ser enganados pelos maus ministros, e consequentemente, perder parte do seu poder. Atuariam diante dos seus ministros mostrando cautela e sabedoria porque, do contrário, sua autoridade poderia ser ameaçada. Seriam justos como o céu e misteriosos como os fantasmas na hora de agir, pois assim seriam unânimes como o céu e intocáveis como os fantasmas.



28. Lisi e a queima dos livros.
A queima de livros promovida pelo temível ministro de Qinshi Huangdi foi um dos momentos mais decisivos para consolidação do poder Qin – e da subseqüente revolta da sociedade com as inúmeras arbitrariedades perpetradas pelo regime. Lisi havia sido companheiro de estudos de Hanfei, e compartilhava das teorias legistas. Temendo, porém, a influência do colega, promoveu uma intriga palaciana que culminou com o encarceramento e a morte do filósofo. Depois da morte de Qinshi Huangdi, ele ainda tentou influenciar a questão sucessória, mas seus desmandos terminaram com seu assassinato por inimigos políticos. A queima dos livros fazia parte da ideologia legista de apagar o passado e criar uma nova mentalidade imperial unificada, expurgando as influências externas.

No passado, o Império passou por diversas dificuldades e confrontos. Ninguém conseguia unifica-lo. Vários príncipes reinavam ao mesmo tempo. Os letrados discutiam sempre as mesmas coisas, e adiavam a solução dos problemas. Até hoje eles usam falsas idéias para lançar confusão entre as pessoas e desrespeitar as decisões do soberano.

Assim como o imperador submeteu à todos, eles também tem que submeter a vossa majestade.

Afinal, quando eles estão na corte, escondem suas críticas, mas discutem nas ruas suas idéias, encorajando a subversão. Assim, se o imperador não tomar uma decisão séria contra isso, em breve seu poder estará ameaçado.

Assim, vosso ministro propõe que os exemplares do Shujing e do Shijing, bem como os livros das cem escolas, sejam entregues aos funcionários para serem queimados. Aqueles que elogiarem o passado, e denegrirem o atual regime, serão executados junto com suas famílias.

[...]

Os cinco imperadores não imitaram uns aos outros, e as três dinastias não seguiram o exemplo das anteriores. Cada dinastia em sua forma de governar, e a de Qin é a atual. O imperador fundou uma glória que vai durar dez mil gerações, mas os letrados não entendem isso. Continuam invocando o passado de Shun e das três dinastias. Quando os soberanos ouviam os letrados, só havia guerra, mas agora o império foi pacificado. As leis e as ordens emanam de um só poder unificado.

O povo trabalha na agricultura e no artesanato, os funcionários estudam as leis e os métodos de governo; mesmo assim, os letrados se conduzem do modo que querem, e utilizam as histórias e o passado para bagunçar o presente e confundir o povo. por isso, seu ministro devotado manda avisar:

Um mês após este decreto, aqueles que não tiverem queimado seus livros serão aprisionados e condenados a trabalhar na grande muralha. Os livros permitidos serão apenas os de medicina, adivinhação, agricultura e botânica. Os que quiserem estudar as leis e o governo, devem se tornar funcionários públicos.



29. Lujia – o governo ideal.
Ao assumir o poder e fundar a dinastia Han, Liu Bang era um ex-burocrata capaz e audacioso, porém intelectualmente limitado. Lujia foi um dos filósofos que se apresentou perante a corte e ofereceu seus préstimos ao novo soberano. Liu Bang, a princípio, ignorou o pensador dizendo-lhe: “conquistei o império em cima de um cavalo, que mais preciso?”, ao que Lujia respondeu: “o senhor o conquistou em um cavalo, mas pode governá-lo de cima dele?”. Esta mistura de sabedoria e insensatez conquistou a confiança do novo imperador. Lujia escreveu, então, seu tratado (Xinyu, ou “Novas discussões”) em que fazia uma síntese do confucionismo, do daoísmo e de alguns aspectos do legismo para estabelecer um novo método de governo mais suave, acessível e viável. Suas propostas foram extremamente bem sucedidas, e o governo do primeiro imperador foi marcado por uma onda positiva de confiança e estabilidade. Aqui, Lujia propõe que o soberano dê ao povo os modelos ideais de conduta, e interfira ao mínimo no governo. Educando, não seria necessário punir.

Não há técnica mais perfeita que a não-ação e atitude mais respeitosa do que a deferência. Como posso provar? Já se disse que Shun governou o império, cantou a do “vento do sul”, acompanhou a cítara de cinco cordas, e nada fez para governar, senão acompanhar de modo sereno as coisas que aconteciam no império, e assim tudo seguiu seu curso e se pôs em ordem. O duque de Zhou se contentava em promover os ritos e a música, acompanhava o sacrifício jiao para o céu e a terra e o sacrifício wang para as montanhas e os rios, sem jamais recorrer as armas nem usar sanções ou leis; e no interior dos quatro mares, todos vinham depositar tributos aos seus pés, bem como ele nem estava presente quando os Yuechang vieram a corte com seus intérpretes. É assim que o não-agir é agir.

O primeiro governante de Qin reforçou as punições penas, inventou o suplicio do emparedamento a fim de por um freio na deliquência e na sedição. Edificou uma grande muralha sobre as terras dos bárbaros rong e construir defesas contra os nômades das estepes e os nativos das florestas ao sul. Lançou campanhas contra os grandes Estados, e tomou os pequenos reinos. Seu prestígio fazia tremer o universo. Seus exércitos tomaram o império, e subjugaram os povos estrangeiros. Meng Qian reprimiu os problemas internos, bem como Lisi impôs impiedosamente a lei. Porém, por mais que Qin se impusesse por meios militares, as revoltas aumentaram; por mais severa que a lei fosse, o povo prevaricava ainda mais; quanto mais cavalheiros e sábios foram perseguidos, mais cresceu o número de inimigos. Não que Qin não desejasse impor a ordem, mas eles não conheciam a justa medida, como provam suas numerosas iniciativas e suas punições excessivas.

Um príncipe deve ser generoso e liberal, e deve preservar a via; ele deve adotar uma conduta conciliadora e equânime, se deseja controlar ao longe. O povo se aceitará sua autoridade, bem como se submeterá a sua influência civilizadora. Promovido por sua grandeza, ele influirá sobre todo o território; admirarão seu governo, e ele não terá problemas com as leis. As pessoas serão respeitosas quanto a suas sanções, e zelosas sem a necessidade de recompensa. Estes são os resultados que se consegue quando se apóia na impregnação da virtude e na influência produtiva do que é correto e pacífico.

As leis e as regras servem para reprimir os violentos (...) [mas], quando o pequeno imita o grande, as minorias se submetem as maiorias, e assim se alcança a paz. Na capital, o príncipe deve fornecer os modelos nos quais o povo deve se inspirar. Por isso, um soberano deve sempre agir dentro das normas. [...] os superiores influem nos inferiores como o vento dobra as ervas. Quando um príncipe deve ir a guerra, os camponeses levam para o campo suas couraças. O homem de bem rege os inferiores se mostrando parcimonioso quando o povo é pródigo e se mostra regrado quando o povo é dispendioso e debochado. (...) Por isso que Confúcio disse: “transformar os hábitos e mudar os costumes” seria como comandar cada família e cada pessoa. Para isso, o príncipe deve simplesmente dar a si mesmo como modelo para todos.



30.Sima Guang – a estrutura do poder imperial.
O “Espelho do Governo” (Zizhi Tongjian) é um livro de história dedicado a compreender as transformações políticas e sociais, através das eras chinesas, por meio de uma análise crítica da instituição imperial. Por conta disso, Sima Guang foi um apurado pesquisador, que se dedicou a analisar a estrutura das instituições chinesas, suas mudanças e desenvolvimento. Uma das peças que Sima nos fornece, em um de seus capítulos, é a estrutura administrativa imperial, herdada da época Han, e que seria a base das estruturas posteriores.

O imperador (huangdi) era o chefe de Estado formal e chefe do governo, e igualmente a ligação sagrado entre o homem e as forças do universo. A princípio, todo o poder dentro do império estava em suas mãos.

A burocracia regular e o serviço civil do império foram dirigidos por três excelências (san gong: Três duques), que eram o grande comandante (taiwei), a excelência sobre o povo (situ: Ministro sobre o povo) e a excelência dos trabalhos (sikong: Ministro dos trabalhos). Eram os conselheiros mais antigos do imperador, e supervisionaram o governo do império no conjunto. Seu nível era expressado nos termos de um salário nominal de dez mil shi de grãos.

Abaixo das três excelências eram nove ministros (jiu qing), com nível/salário de dois mil shi (zhong erqian shi). Estes eram:

O ministro das cerimônias (Tai Chang: Grande Mestre de cerimônias), responsável para o ritual e o cerimonial;

O ministro da casa real (guangluxun: Superintendente da casa familiar imperial), responsável para a segurança imediata do imperador e para seus assistentes na corte;
O ministro da guarda (wei wei: Comandante protetor), responsável para a segurança dos palácios imperiais;

O ministro das estrebarias (taipu; grande cocheiro), responsável pelos cavalos e as carruagens do imperador e pelas montarias do exército;

O ministro da Justiça (ting wei: Comandante de justiça), responsável para casos de corte de alto nível e apelações das mais baixas jurisdições locais;

O ministro arauto (honglu: grande Arauto), responsável pelas relações com estados não-Chineses;

O ministro do clã imperial (zong zheng: Diretor do clã imperial), responsável pela observância e conduta dos membros da casa de Liu;

O ministro de agricultura (da sinong: grande Ministro da agricultura), responsável para as finanças gerais do império e da distribuição pública dos grãos;

O ministro do tesouro (shao fu: Tesoureiro privado), responsável para a casa familiar do imperador que inclui, formalmente falando, o harém imperial, o escritório do secretariado imperial e a Censura imperial.



31. Huang Zongxi – o verdadeiro interesse dos governantes.
Huang Zongxi (1610+1695) foi também um dos grandes historiadores das instituições chinesas. Neste breve texto de sua autoria, Huang observa, na verdade, os motivos que levaram a decadência da dinastia Ming, que teriam abandonado seus deveres para com o povo e com o Céu, e antevê os abusos que fatalmente lançariam a dinastia Qing numa espiral de violência, abuso e degradação.

Nos tempos pré-históricos, cada homem trabalhava para si mesmo e por seus interesses particulares e não havia quem pensasse no bem público, ou em combater um mal comum da sociedade. Surgiram depois os reis, que trabalhavam pelo bem Público e não pelo seu próprio bem. Combatiam o que era mau para a Coletividade como um todo e não davam importância ao que pudesse não ser bom para eles próprios. Eram os Reis, assim, pessoas que trabalhavam mil vezes mais arduamente do que o povo, sem benefício de si mesmos. Pouco invejável era tal posição. Por isso, havia os que trabalhavam em benefício do povo e nunca quiseram ser chamados reis, como Shuyu e Wuguang, e outros soberanos que trabalhavam pelo bem do povo como reis e depois passavam seus poderes a outros, como Yao e Shun; e ainda outros que, feitos reis, foram forçados a continuar sendo reis, como Yu. Era da natureza humana, tanto antiga quanto moderna, não apreciar tal posição.

Os reis de tempos posteriores eram diferentes. Concentravam em si mesmos o poder do governo e, tendo-o feito, julgavam mesmo ser-lhes permitido retirar para si todos os proventos da terra e lançar para os outros tudo quanto fosse desagradável e oneroso; assim, o povo não conseguia trabalhar em seu próprio benefício, ou para seu próprio bem, e os lucros da terra tornavam-se propriedade particular de uma família. A princípio, os reis sentiam-se constrangidos, mas depois chegaram a perder esse constrangimento. A terra e o povo, então, pertenciam a uma casa governante, e esse direito e privilégio exclusivo era transmitido a seus filhos e aos filhos de seus filhos. O primeiro imperador de Han deixou transparecer esse modo de pensar ao dizer a um letrado:

"Achas maior ou menor do que o teu o meu êxito em minha profissão?” Ser rei era uma profissão exercida, como todas as outras, visando a ganhos.

A diferença está nisto: nos tempos antigos, o povo era o senhor e os reis eram os hóspedes; e era o povo o objetivo do trabalho dos reis. Agora, os reis são os senhores e o povo os hóspedes, e não há recanto da terra em que o povo possa viver pacificamente a sua própria vida, tudo por causa dos governantes. Assim, quando alguém deseja ser rei, pouco se lhe dá sacrificar as vidas de milhões, ou tirar os filhos dos pais, para que trabalhem em sua "propriedade particular". Sem o menor estremecimento de consciência, diz ele a si mesmo: "Estou edificando esta casa real para meus filhos". E, quando alcança a realeza, não se importa de moer ossos e medula do povo, nem de destroçar famílias no trabalho e na servidão, a fim de que só ele possa gozar todas as pompas e diversões de uma vida fácil. Sem escrúpulo de consciência torna a dizer a si mesmo:

"Tenho ou não direito aos lucros de minha propriedade?".

Tornaram-se assim os reis os grandes inimigos do povo. Pois, se não houvesse reis, poderia o povo trabalhar em seu próprio benefício e por sua própria subsistência. Ó, é para esse fim que os reis existem?

Nos tempos antigos, o povo amava os reis como a um pai e os comparava ao céu. Era merecido. Hoje, o povo encara os reis como seus inimigos e os chama "Aquela pessoa solitária". Também isso é merecido. Ainda existem letrados de espírito estreito que dizem ser eterna a relação principal entre rei e súdito, a ponto de duvidarem da retidão com que Tang e Wu derrubaram seus suseranos tirânicos Xie e Zhou e de se inclinarem a desmerecer a história de patriotas como Boyi e Shuqi, que recusaram servir um conquistador. Parecer-lhes-ia que os ossos e a carne dilacerados de milhões de pessoas tinham menos valor do que a cabeça de rato de um estrangeiro. Poderão, em verdade, acreditar que o mundo inteiro exista para o benefício particular de uma pessoa e uma família segundo o coração do Criador?

Sábio foi, portanto, o Rei Wu (que se levantou para derrubar um tirano), e Mêncio (que considerava justo, sob certas circunstâncias, o povo encarar seu soberano como inimigo) falou palavras de sábio. Os reis dos últimos tempos gostam de envolver a realeza na capa sagrada de uma frase, "Como pai e como o céu", por trás da qual o povo não tem o direito de espreitar. Tais governantes consideram inconvenientes, no que lhes diz respeito, as opiniões de Mêncio e gostariam de destronar Mêncio de seu posto de culto. Aos letrados de espírito estreito cabe a culpa de levá-los a assim pensar.

Se, contudo, fosse possível a um rei conservar sua propriedade particular para todo o sempre, poder-se-ia compreender o motivo egoísta que inspirava tal ação. Desde que o rei considerava a terra como propriedade sua, igualmente natural seria que outras pessoas desejassem obter o domínio dessa mesma espécie de propriedade. O rei poderia colocar toda a sua propriedade num cofre de ferro e trancá-lo fortemente. Mas, no fim de contas, haveria apenas um homem ou uma família a desejar guardá-la, havendo muitos desejosos de chegar a ela. Em poucas gerações, e às vezes no próprio período da vida do rei, corria o sangue de seus próprios filhos! As pessoas, em geral, desejavam nunca haver nascido em uma família real, e o Rei Yicong disse certa vez à seus jovens príncipes: "Por que fostes condenados a nascer em minha família?" Que amarga confusão de remorsos! Não basta isso para esfriar a ambição de quem se lance a fundar uma dinastia?

Assim, se as funções de rei e ministros forem bem compreendidas, ninguém desejará ocupar as posições de poder, como no caso de Shuyu e Wuguang, nos tempos antigos. Se as funções de rei e súdito não forem bem compreendidas, todos terão o direito de querer o trono. Pode ser difícil compreender devidamente as funções de rei e súditos, mas não deve ser difícil pesar as vantagens e as desvantagens que existem entre a glória temporária e uma ruína permanente.



32. Sun Yatsen – os poderes do povo.
Sun Yatsen é o pai da república chinesa, sendo venerado tanto na China comunista e em Taiwan. Se analisarmos corretamente, a China é o lugar da primeira experiência asiática com este tipo de sistema político ocidental; Sun pregava, igualmente, uma síntese de elementos extraídos de diversas correntes de pensadores chineses, europeus e americanos, propondo uma doutrina original. Mas, apesar de ser um excelente articulador, Sun se mostrou incapaz de governar a China, cedendo o poder a outros atores. Chiang Kaishek, herdeiro de sua herança intelectual e política, terminou por mostrar-se um governante inapto, dividindo a China em duas. Neste texto, Sun propõe a organização dos poderes na China republicana, criando um sistema de 4 poderes populares e 5 constitucionais.

Quais são as novas descobertas no caminho do exercício popular da soberania?

A primeira, é o sufrágio, e este é o único método aceitável na democracia moderna. Este método é suficiente para o povo governar? Este poder único só pode ser comparado com aquelas máquinas que, ao começarem a funcionar, nunca mais podem ser paradas.
A segunda nova descoberta é o método do direito de reparação. Quando o povo tem esse direito, ele tem o poder de parar a maquina.

Estes dois direitos dão ao povo a possibilidade de controlar os oficias e suas posições, elegendo-os ou removendo-os.. (...) por isso, o terceiro poder do povo se chama iniciativa. Se o povo entender também que uma antiga lei não o beneficia mais, eles tem o poder de propor e forçar o governo a alterar as leis, criando novas e abolindo as antigas. Somente quando o povo tem estes quatro poderes nós podemos dizer que uma democracia é completa, e somente estes quatro poderes podem levar o povo além, a uma real soberania popular.

Com o povo exercendo os quatro poderes para controlar o governo, que métodos de governo podem ser utilizados para alcançar uma performance ideal de governo? Um governo não estará bem organizado se não contar com uma constituição de cinco poderes. Um governo, inclusive, não estará completo e nem poderá organizar um bom trabalho se não dispuser destes cinco poderes. São eles: o executivo, legislativo, judiciário, exames civis e censura. (...) na separação dos poderes governamentais, podemos dizer que a china de hoje tem a separação dos três poderes, como nas modernas democracias. A China praticou a separação da autocracia, dos exames civis e da censura durante milênios. Os países ocidentais tem praticado a separação entre legislativo, judiciário e executivo durante séculos. No entanto, o sistema de três poderes ocidental tem algumas imperfeições que não podem ser perfeitamente aplicadas a china, ou dariam origem a uma serie de abusos. Se nos combinarmos o melhor da china com o melhor dos outros países, e nos guardamos contra qualquer tipo de abuso, nos teremos os três poderes de governo ocidental – legislativo, executivo e judiciário – adicionados do sistema chines de exames e censura e constituiremos um governo perfeito de cinco poderes. Tal governo será o mais completo e refinado do mundo, e seu governo, como tal, será realmente do povo, para o povo e pelo povo.



33. Maozedong e a Democracia Socialista.
Democracia e ditadura podem parecer termos inconciliáveis, mas para Maozedong não eram. Em sua teorização sobre o comunismo chinês, Mao tenta explicar o regime de partido único e as características duras do regime como uma necessidade de transição. Mas seria possível tal coisa?

Nosso Estado tem por regime a ditadura democrática popular, dirigida pela classe operária e baseada na liderança dos operários e camponeses. Quais são as funções dessa ditadura? Sua primeira função é exercer repressão, internamente, sobre as classes e os elementos reacionários, bem como sobre os exploradores que se opõem à revolução socialista, sobre os que minam os alicerces socialistas, isto é, solucionar as contradições entre nós e nossos inimigos, internamente. Por exemplo, deter, julgar e condenar certos elementos contra-revolucionários, e cassar, por tempo determinado, aos latifundiários e capitalistas burocráticos, o direito de voto e a liberdade de expressão - tudo isto entra no campo do aplicação de nossa ditadura. Para manter a ordem na sociedade e defender os interesses das massas populares, é igualmente necessário exercer a ditadura sobre os ladrões, escroques, assassinos, incendiários, bandos de fanfarrões e outros maus elementos que perturbam claramente a ordem pública. A ditadura tem uma segunda função, a de defender nosso país das atividades subversivas e das eventuais agressões dos inimigos externos. Neste caso, a ditadura tem por tarefa resolver, sobre o plano externo, as contradições entre nós e nossos inimigos. O objetivo da ditadura é proteger o povo, todo ele, no trabalho pacífico que desempenha, e transformar a China em um país socialista dotado de uma indústria, de uma agricultura, de uma ciência, e uma cultura moderna.



34. Deng Xiaoping – um país, dois sistemas.
Deng Xiaoping, o grande mentor das reformas na moderna China comunista, criou uma prática política curiosa, mas capaz de arrefecer os temores das ex-colônias de Hong Kong e Macau, o sistema “Um país, Dois sistemas”, que admitia a continuidade de certas orientações capitalistas nestes dois centros, como modo de transição para a re-integração completa com o país. A experiência aproveitou esquemas testados nas zonas econômicas especiais, e doravante é proposto para Taiwan como forma de resolver os dilemas territoriais e políticos entre os dois.

O Governo chinês é firme em sua posição, princípios e políticas acerca de Hong Kong. Nós nos declaramos, em muitas ocasiões, sobre como a China pretende exercer sua soberania sobre Hong Kong em 1997, e os sistemas sociais e econômicos correntes em Hong Kong permanecerão inalterados, seu sistema legal permanece basicamente inalterado, seu modo de vida e seu estado como um porto livre, de comércio internacional e centro financeiro permanecerão inalterados, e ela poderá continuar mantendo ou estabelecer relações econômicas com outros países e regiões. Nós também declaramos repetidamente que, aparte a questão sobre estacionar tropas lá, Beijing não nomeará os funcionários ao governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong. Esta política permanecerá inalterada também. Nós estacionaremos um grupo para salvaguardar nossa segurança nacional, e não interferir nos negócios internos de Hong Kong. Nossas políticas com respeito a Hong Kong permanecerão inalteradas durante 50 anos, e é isso que gostaríamos de reafirmar.

Nós estamos procurando uma política de “um país, dois sistemas''. Mais especificamente, isto significa que dentro da República Popular de China, o continente com suas uma bilhão pessoas manterá o sistema socialista, enquanto Hong Kong e Taiwan continuam debaixo do sistema capitalista. Em recentes anos, a China trabalhou duro para superar os equívocos da “esquerda”, e formulou suas políticas relativas a todos os campos em uma linha que tem como princípio proceder a partir da realidade e buscar a verdade dos fatos. Depois de cinco anos e meio as coisas estão começando a mudar. É contra esta base de experiências negativas que nos propomos a resolver o caso de Hong Kong e os problemas de Taiwan, permitindo dois sistemas para coexistir em um país.

Nós discutimos a política de “um país, dois sistemas'' mais de uma vez. Ele foi adotado pelo Congresso Popular Nacional. Algumas pessoas estão preocupadas com o que poderia mudar. Eu digo que não vai. O ponto crucial do assunto, o fator decisivo, é se a política está correta. Se não for, mudará; caso contrário não vai. Além disso, há alguém que pode mudar a política atual de China de abrir para o mundo externo sem revigorar a economia doméstica? Se isso fosse mudado, pelo menos 80% da população chinesa recusariam, e nós perderíamos o apoio das pessoas. Se nós agirmos corretamente e conseguirmos o apoio do povo, a política não mudará.

Nossa política para Hong Kong permanecerá a mesma por muito tempo, mas isto não afetará socialismo no continente. A parte principal de China, temos que continuar debaixo de socialismo, mas o sistema capitalista será permitido existir em certas áreas, como Hong Kong e Taiwan. Abrimos várias cidades no continente que deixaram entrar algum capital estrangeiro, e que servirão como um suplemento à economia socialista, ajudando a promover o crescimento das forças produtivas socialistas. Por exemplo, quando capital estrangeiro é investido em Shangai, não significa certamente que a cidade inteira virou capitalista. O mesmo é verdade em Shenzhen, onde socialismo ainda predomina. A parte principal do restante da China continua socialista.

[...]

Devem ser estabelecidas algumas exigências ou qualificações com respeito à administração de negócios de Hong Kong pelo povo de Hong Kong. Deve ser requerido que os patriotas formam o corpo principal de administradores, isso é, do governo futuro da Região Especial de Hong Kong. Claro que deveriam incluir outros chineses, como também é possível convidar os estrangeiros como conselheiros. Mas o que é um patriota? Um patriota é alguém que respeita a nação chinesa, e sinceramente apóia a volta de Hong Kong para a aterra mãe, e desejam não prejudicar a prosperidade de Hong Kong e sua estabilidade. Os que satisfazem estas exigências são os patriotas, mesmo que eles acreditam em capitalismo, feudalismo ou mesmo escravidão. Nós não exigimos que eles estejam a favor do sistema socialista da China; nós só lhes pedimos que amem a terra Mãe e Hong Kong.

Serão 13 anos até 1997. Nós deveríamos começar o trabalho agora para garantir uma transição suave e gradual. Primeiro, devem ser evitadas flutuações ou retrocessos, e devem ser mantidas a prosperidade e estabilidade de Hong Kong. Segundo, devem ser criadas condições para uma transição suave do governo para os residentes de Hong Kong. Eu espero que o povo e todos os meios de vida em Hong Kong trabalharão para este fim.



35. Deng Xiaoping - coexistência pacífica e Taiwan.
A concepção de coexistência pacífica, proposta inicialmente por Zhou Enlai, e desenvolvida por Deng Xiaoping, supunha a anuência da China como uma terceira potência mundial, um peso na balança entre Estados Unidos e União Soviética. Os chineses, porém, entendiam que a perspectiva de interferência revolucionária comunista era um fator de desequilíbrio entre as potências, e abriram mão dela em função de um ganho político. Conquistaram o assento no conselho mundial de segurança (substituindo Taiwan), decidiram por atuar de modo econômico na Ásia e África, e reforçaram suas condições internas. No trecho a seguir, Deng explica os princípios de coexistência pacífica e defende que a questão de Taiwan é um problema interno dos chineses. (veja o entendimento da questão mundial na Teoria dos três mundos, na seção “Visão dos outros”).

Cinco princípios da coexistência pacífica, proposto por Zhou Enlai:

a) respeito mútuo à soberania e integridade nacional,
b) não-agressão,
c) não intervenção nos assuntos internos de um país por parte de outro,
d) igualdade e benefícios recíprocos e
e) coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e ideológicos diferentes.

[...]

Deng Xiaoping:
Há dois assuntos principais no mundo hoje. Uma questão é a paz mundial, o outro a relação entre Norte e Sul. Nós acreditamos que existam muitos outros problemas também, mas nenhum deles tem a mesma significação total, global e estratégica como estes dois. No mundo atual o Norte é rico e desenvolvido, enquanto o Sul é subdesenvolvido e pobre. E falando relativamente, o rico está ficando mais rico e o pobre mais pobre. O Sul quer acabar com sua pobreza e atraso, e o Norte precisa de um Sul desenvolvido. Onde os Norte pode achar um mercado para seus produtos se o restante de Sul continuar subdesenvolvido? Os problemas maiores que estão em frente dos países capitalistas desenvolvidos são o ritmo do progresso deles e a continuidade do desenvolvimento. Nesta conexão, há um outro lado na cooperação de Sul-Sul: promover a cooperação de Norte-Sul.

Os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica pretendem um modo mais apropriado de regular as relações entre as nações. Outros modos – como “comunidade socialista”, “blocos políticos” ou “esferas de influência'', por exemplo - conduzem ao conflito, promovendo tensões internacionais. Olhando para a história de relações internacionais, nós achamos que os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica têm um potencial de aplicação bastante ampla.

Nós poderíamos levar esta idéia mais adiante. Estes princípios provavelmente poderiam ajudar a resolver alguns dos problemas internos de nosso país. O modelo “um país, dois sistemas'' como eu havia proposto, conforme as realidades chinesas, para reunificar a nação, é igualmente um exemplo da coexistência pacífica. Sobre a questão de Hong Kong, alguns questionam porque nós estamos permitindo que Hong Kong mantenha seu sistema capitalista inalterado durante 50 anos. Os mesmos princípio se mantém para Taiwan. E como Taiwan é diferente de Hong Kong, também pode manter seu exército. Chamados para o reunificação de China com base do nos “Três Princípios Populares”, as autoridades de Taiwan, para dizer o mínimo, faltaram com um senso de realidade. É possível reunificar o país sujeitando o continente, com suas um bilhão de pessoas, para o sistema atual de Taiwan, com sua população de doze milhões ou mais? Novamente nós aconselhamos as autoridades de Taiwan a abandonar tal pensamento. Um meio deve ser encontrado pelo qual um não passe por cima do outro. As um bilhão pessoas no continente continuarão construindo o socialismo, enquanto Taiwan pode ir em com seu capitalismo. Beijing não enviará ninguém para Taiwan. Isso não seria um caso de coexistência pacífica? Assim os princípios de coexistência pacífica não só provêem uma solução boa para assuntos internacionais, mas para problemas domésticos como bem.

A questão de Taiwan é o obstáculo principal na melhoria das relações entre a China e os Estados Unidos, e poderia desenvolver até mesmo em uma crise entre as duas nações. Se o modelo “um país, dois sistemas” for adotado, não só a China será reunificada, mas os interesses dos Estados Unidos permaneceriam incólumes. Há um grupo das pessoas nos Estados Unidos hoje que, continuando a “doutrina Dulles”, consideram Taiwan como um porta-aviões norte-americano, ou como um território dentro da esfera norte-americana de influência. Uma vez que a questão de Taiwan for resolvida pela coexistência pacífica, o assunto será esquecido, e estas pessoas deixarão de lado suas ilusões. Isso seria uma coisa muito boa para a paz e estabilidade da região do Pacífico e do resto do mundo.

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