Nesta última seção, os aspectos da arte, da cultura e da educação na China são abordados de acordo com algumas visões teóricas. O significado da Música na China antiga é analisado no texto do Liji – acredita-se que este fragmento seja uma das poucas partes que restaram do Tratado da Música (Yuejing), até hoje perdido. A música tinha um poder transformador, e segundo Confúcio, era possível compreender a mente das pessoas pela música que elas ouviam. Do mesmo modo, a história da escrita nos é dada por Cheng Yenyuan, bem como o sentido da arte é explicado pelo famoso pintor Guoxi. O Manual da Escrita (Wenfu, por Luji, 261+303) trata-se do primeiro trabalho de crítica literária na China, explicando o surgimento de uma noção de literatura (wenxue). Tais noções seriam, séculos depois, criticadas veementemente por Chenduxiu (1880+1942) autor da China revolucionária, cujos propósitos seriam de criar uma nova literatura popular (em anexo, segue a visão de arte proposta no Assembléia de Yenan, em 1927, sobre uma nova arte comunista). Por fim, o sistema educacional proposto no Liji, bem como a educação pelos 6 clássicos, nos informam sobre os meios tradicionais de educação na China, até o advento de propostas para a educação moderna como a de Kang Yuwei – permeados pelo desfecho trágico da Revolução Cultural, que mesmo já superada, galvanizou a sociedade chinesa por quase uma década em um movimento de revisão cultural que visava, justamente, enterrar o seu passado.
92. Sobre a Música – Liji.
Em toda a história chinesa, não houve um momento em que a música perdesse sua importância fundamental como elemento filosófico e intelectual. O texto a seguir, um dos primeiros sobre a questão da música na China, descreve como este campo da arte pode explicar as culturas humanas e até mesmo o sentimento humano. Não sem razão, ela foi escolhida com uma das principais artes humanas por Confúcio.
A Música brota do coração humano quando ele é tocado pelo mundo exterior. Sob o impacto do mundo exterior, o coração emociona-se e então se expressa por sons. Tais sons ecoam ou combinam-se a outros, afinal produzindo uma riquíssima variedade e quando os vários sons se tornam regulares, tem-se o ritmo. A distribuição dos sons para diversão nossa, em combinação com a dança militar (com achas e escudos) e a dança civil (com longas plumas e caudas de raposas), denomina-se música.
Música é a forma segundo a qual se produzem os sons, que brotam do coração humano quando tocado pelo mundo exterior. Assim, quando nele é tocada a fibra da tristeza, são amargos e tristes os sons produzidos; quando é tocada a fibra da satisfação, são langorosos e lentos os sons produzidos; quando é tocada a fibra da alegria, são brilhantes e expansivos os sons produzidos; quando é tocada a fibra da ira, são ásperos e duros os sons produzidos; quando é tocada a fibra da piedade, são simples e claros os sons produzidos; quando é tocada a fibra do amor, são gentis e doces os sons produzidos. Estas seis espécies de emoção não são normais: são estados produzidos pelo toque do mundo exterior.
Por isso os reis da Antigüidade preocupavam-se com as coisas capazes de afetar o coração humano: assim buscavam eles orientar os ideais e as aspirações do povo por meio dos Ritos, estabelecer a harmonia dos sons por meio da música, regular a conduta social por meio do bom governo, e evitar a imoralidade por meio do castigo. Ritos, música, e castigo, bem como o governo, têm um objetivo comum - promover o equilíbrio nos corações humanos e realizar os princípios da ordem política.
A música brota do coração humano. Quando suscitadas, as emoções exprimem-se por sons, os quais, ao assumirem forma definida, constituem a música. Por isso a música de uma nação próspera e feliz é tranqüila e alegre, e o governo é ordeiro; a música de uma nação atrapalhada manifesta insatisfação e raiva, e o governo é caótico; e a música de uma nação destruída mostra apenas tristeza e saudade do passado, e o povo é infeliz. Eis como sempre encontramos governo e música em estreita relação.
A clave de C (Dó) simboliza o rei; a clave de D (Ré) simboliza o ministro; a clave de E (Mi) simboliza o povo; a clave de G (Sol) simboliza os negócios do país; a clave de A (Lá) simboliza a natureza. Quando se harmonizam as cinco claves, não há sons discrepantes. Quando desafina a clave de C. a música perde o seu fundamento e o rei descura os próprios afazeres; quando desafina a clave de D, a música perde a sua gradação e os ministros prevaricam; quando desafina a clave de E, a música é triste e o povo sente-se desgraçado; quando desafina a clave de G, a música é fúnebre e os negócios do país complicam-se; quando desafina a clave de A, a música sugere perigo e o povo passa miséria. Quando todas as claves desafinam e se confundem, generaliza-se a discórdia e pouco mais viverá a nação.
[...]
As notas musicais brotam do coração humano, e a música está em relação com os princípios da conduta humana. Por isso os animais conhecem os sons mas não sabem as notas, e a plebe conhece as notas mas não sabe música. Só o homem superior é capaz de entender música. Assim, do estudo dos sons chega-se à compreensão das notas musicais; do estudo das notas musicais, chega-se à compreensão da música; e do estudo da música chega-se à compreensão dos princípios de governo e fica-se preparado para governar.
Portanto é impossível falar das músicas a uma pessoa que não identifique os sons, impossível falar de música a uma pessoa que não saiba as notas musicais. Aquele que compreende a música acha-se muito perto de compreender a Ritos, e ao homem que domine os Ritos e a música podemos chamar virtuoso - porque virtude é domínio.
93. Sobre a Escrita, de Cheng Yenyuan.
Neste breve texto, Chang Yenyuan (+847) descreve os passos históricos e a compreensão da própria estrutura da escrita chinesa. A escrita chinesa é pictogramática e ideográfica, ou seja; suas imagens representam diretamente os objetos ou, constroem formas de representação de idéias. Chang já estava perfeitamente ciente disso, mostrando que os chineses já desenvolviam algum tipo de linguística.
A pintura completa a cultura, ajuda nas relações humanas e explora os mistérios do universo. Seu valor é igual ao estudo dos seis clássicos e, assim como a rotação das estações, provém da natureza, e não é algo dado somente pela tradição. Quando os antigos soberanos receberam o mandato do céu, inscrições em cascos de tartaruga e pinturas nos ossos de dragão apareceram. Tais coisas têm ocorrido desde Yuxiao e Suiren.
Estes eventos foram gravados em jade e em álbuns de ouro. Fuxi descobriu os hexagramas no rio Yung, e este foi o começo dos livros e da pintura. Huangdi descobriu as palavras nos rios wen e lo, e Qinshi huangdi reformou os ideogramas. Wenchang criou as normas e por isso é o senhor da literatura; Cangjie foi quem olhou alem os fenômenos celestes, e copiou as pegadas dos passarinhos e as marcas dos cascos de tartaruga, fixando as formas e a escrita dos caracteres. (...) durante este período, a escrita não era substancialmente diferente das coisas que representava, mas suas formas ainda eram muito cruas. A escrita desenvolveu-se, então para expressar idéias, e a pintura nasceu do desejo de representar formas. Esta era a intenção e o propósito dos sábios.
No desenvolvimento da escrita, existem seis estilos básicos, conhecidos como: escrita arcaica, estilo raro, escrita dos selos, escrita ornamental, escrita sigilar e a escrita dos pássaros - esta ultima utilizada em grandes faixas de pano. Esta é a ultima das categorias de escrita.
Yenguanglu (384+456) disse: o propósito dos desenhos são três: capturar o princípio (li), como nos hexagramas; representar idéias, como na escrita; desenhar formas, como em desenhos.
94. O significado da Arte, por Guoxi.
O renomado pintor Guoxi (1020 +1090) foi, além de um artista famosos em toda china, um teórico sobre questões artísticas. Aqui, Guoxi explica alguns fundamentos básicos para se compreender a arte, baseado nos princípios da pintura, e de como executar adequadamente a produção de um trabalho artístico.
Ainda que muita gente saiba que pinto com um pincel, não se dão conta de como é difícil pintar. No Zhuang zi se conta de um pintor que, trabalhando, “tirou as roupas e sentou de pernas cruzadas”. Esta é a verdadeira atitude de um artista. Deve abrigar em seus sonhos alegria e felicidade. E se conseguir desenvolver seu coração naturalmente, sincero, delicado e honesto, imediatamente será capaz de compreender o aspecto das lágrimas, os sorrisos e os objetos, sejam eles pontiagudos ou oblíquos, dobrados ou inclinados; e em sua mente estará tao clara que será capaz de refletir espontaneamente seu pincel.
Se diz que Gu kaiji, da dinastia jin, construía sempre um pavilhão alto e isolado para pintar. Era verdadeiramente um homem de visão ampla naqueles tempos antigos. Porque, sem tais atitudes, se apoderariam do artista os pensamentos de depressão, angustia, melancolia e este sofreria ante qualquer coisa trivial.
Como poderia então pintar em tais condições, captar as formas reais dos objetos e expressar suas emoções? Por exemplo: um artesão que deseja fazer uma harpa encontra um excelente tronco solitário no monte Iyang. Tendo destreza e conhecendo os mistérios de sua arte, ainda que a árvore esteja presa a terra por suas raízes, suas folhas e galhos sem corte, ele tem claramente, em sua mente, a imagem de um alaude terminado. Um mestre como Lei tem este tipo de visão com seus materiais. Mas um homem insensível e torpe com a mente alterada e o corpo esgotado verá, diante de si, apenas cinzeis pontiagudos e facas afiadas, e não saberá por onde começar. Como se pode esperar que ele construa um alaude de madeira com cinco notas místicas que soe tao encantadoramente como os ventos puros e os arroios ondulantes?
Os antigos diziam que a poesia era um quadro sem formas, e que uma pintura era um poema com formas. Os filósofos tem discutido este tema desde então, e foi este principio que me guiou. Em minhas horas de ócio, repasso as poesias de Jin e Tang, assim como a moderna, e tenho achado que algumas destas incríveis linhas dão a plena expressão dos pensamentos mais íntimos da alma humana, e que descrevem vivamente o cenário que se desenrola a vista das pessoas. No entanto, a menos que se viva em paz e se repouse tranqüilo, com as janelas abertas, o escritório arrumado, o incenso queimando e dez mil preocupações esquecidas, não sou capaz de por-me a altura do humor e do significado destes belos versos, conceber seus pensamentos excelentes e imaginar os sutis sentimentos neles contidos. O mesmo ocorre com a pintura. Não é fácil apreender seu significado. Quando estou receptivo e estou em harmonia com o que me rodeia, tenho alcançado uma perfeita coordenação entre a mente e a mão, então começo a pintar livremente e fluidamente, segundo exigem as normas próprias para a arte. No entanto, na atualidade, os homens se deixam arrebatar pelos seus impulsos e sentimentos, e se apressam a fim de completar uma obra.
[...]
Porque é que o sábio se sente feliz ao contemplar as paisagens? Porque num retiro campestre o seu espírito amadurece; porque os efeitos da luz nas águas o encantam; porque no campo encontra sempre pescadores, lenhadores e eremitas, observa o vôo dos grous, ouve o grito dos macacos. A poeirenta balbúrdia do mundo, as casas acanhadas onde mal se respira - não há nada que a natureza humana mais deteste. Busca, pelo contrário (mas raramente encontra), a bruma, o chuvisco e os espíritos errantes que assombram as montanhas.
O nevoeiro e as nuvens sobre as montanhas nunca se assemelham de uma estação para a outra. As montanhas, na Primavera, são calmas e convidativas, como se sorrissem. No Estio, são frescas e viçosas, polvilhadas de orvalho. No Outono, são claras e puras, graciosamente ordenadas. Durante o Inverno, apresentam-se melancólicas e sonolentas.
A água é viva. As torrentes são as veias da montanha; a erva e as árvores formam-lhe a cabeleira; o nevoeiro e a bruma são a sua pele.
Quem não possa percorrer as montanhas e os lagos, que alegria não terá em possuir uma paisagem pintada pela mão de um artista! A poesia é uma pintura, assim como a pintura é uma poesia sem palavras.
Só um tolo pode crer que para pintar basta adquirir habilidade manual e utilizar o pincel de seda mais fino, a tinta preta de mais belo tom, a seda ou o papel de melhor qualidade. Só será verdadeiramente pintor aquele que souber meditar durante anos, identificar-se com o objeto do seu estudo e tornar-se, ele mesmo árvore, torrente, bruma e ave.
Quando no meu coração ressoa o universo, quando logro alcançar o pleno acordo do meu espírito com minha mão, só então começo a pintar, e sobre a seda que meu pincel acaricia, o céu e a terra harmonizam-se e o homem é livre.
95. A apreciação da Literatura, do Wenfu.
Luji busca aqui, no “Ensaio sobre a escrita” (Wenfu, 261 + 303) realizar o primeiro trabalho de crítica literária da China Antiga. No seu sucinto manual, ele aborda diversas técnicas de escrita e interpretação, bem como explica o sentido daquilo que podemos considerar como wenxue (estudo da escrita), ou Literatura.
O uso da literatura consiste em comunicar todas as verdades. Expandir os horizontes e fazer o espaço infinito. Serve como ponte que cruza mil anos. Faz mapas de todos os caminhos e trilhas para a posteridade, e é espelho das imagens dos antigos veneráveis, para que as majestosas construções do sábios reis da antiguidade possam ser recriadas como novas.
Que suas vozes admoestadoras, levadas pelo vento desde um tempo imemorial, seja ouvidas outra vez. Nenhuma região é distante demais que não possa ser penetrada, nenhuma verdade é tao sutil que não possa se tocada. como a bruma e a chuva que alimentam, manifestando seus poderes de transformação junto com os deuses e espíritos. Ela a literatura, faz duradoura a virtude resplandecente do bronze e da pedra, e ressoando como uma corrente eterna de melodias, de flautas e de cordas, toca e segue sempre renovada.
96. A revolução na Literatura, por Chenduxiu, e a nova arte comunista, por Maozedong.
Chenduxiu foi um dos primeiros escritores a defender a concepção de uma literatura revolucionária na China, quebrando os cânones estabelecidos na antiguidade. No trecho a seguir, Chen aponta o sentido deste movimento. No seguir, um texto de Maozedong sobre a visão comunista da arte, resultante da Assembléia de Yenan (1927), evento importante de debate sobre a cultura ocorrido no meio da guerra civil chinesa.
São três os princípios fundamentais para nosso exército revolucionário: 1) destruir a literatura aristocrática, que nada mais é senão uma literatura cheio de floreios e sem sentido, e vamos construir uma literatura simples, expressiva e popular; 2) destruir os modelos antigos e clássicos da literatura, e construir uma nova e sincera literatura realista; 3) destruir a obscura e obtusa literatura da “floresta” (textos herméticos) e construir uma limpa e clara literatura popular para sociedade.
Neste tempo de reforma, a literatura aristocrática, a literatura clássica e a literatura de floresta devem ser rejeitadas. Mas qual a razão par desprezar estes tipos de literatura? A resposta é que a literatura aristocrática emprega floreados e depende de um preparo prévio dos escritores, o que os faz perder as qualidades de independência e auto-respeito; a literatura clássica exagera e emprega palavra após palavra, mas perde o objetivo fundamental de expressar emoções e descrições realísticas; a literatura da floresta é difícil e obscura, e sua escrita não benéfica a educação das massas. A forma destas tais literaturas é a continua repetição de modelos prévios. Ela tem carne mas não tem ossos, tem corpo mas não tem espírito. É um ornamento que não tem uso atual. Com respeito aos seus conteúdos, ela não vê nada mais do que reis, aristocratas, seres espirituais ou fantasmas, sucessos ou insucessos particulares. O universo, a vida e a sociedade estão muito além de sua concepção. Estes defeitos são comuns nestas três formas de narrativa.
[...]
No mundo de hoje, toda cultura, toda literatura e toda arte pertencem a uma classe determinada e trazem em si uma linha política definida. Na realidade, não existe a arte pela arte, a arte acima das classes, nem a arte que se desenvolve além da política ou independentemente dela. A literatura e a arte proletárias fazem parte do conjunto da causa revolucionária do proletariado; são, como dizia Lênine, "uma pequena roda e um pequeno parafuso" do mecanismo geral da revolução.
A crítica literária e artística abrange dois um, político; o outro, artístico... E esses dois critérios, político e artístico, que apresentam entre si? É impossível colocar política sob o mesmo signo, da mesma forma que uma concepção geral do mundo e os métodos da criação artísticas. Negamos a existência, não só de um critério político abstrato e imutável, mas também de um critério artístico abstrato e imutável; cada classe, em cada sociedade de classes, possui seu critério próprio, tanto político como artístico. Contudo, não importa que classe, não importa que sociedade de classes, coloquemos o critério político em primeiro lugar e o critério artístico em segundo.... Quanto a nós, exigimos a unidade da política e da arte, a unidade do conteúdo e da forma, a unidade de um conteúdo político revolucionário e de uma forma artística tão perfeita quanto possível. As obras que carecem de valor artístico, por mais avançadas que sejam do ponto-de-vista político, permanecem ineficazes. Somos, por nossa parte, contrários às obras de arte que exprimem opiniões políticas erradas e contrárias à tendência em se produzir obras ao "estilo do slogan e do cartaz", onde as opiniões políticas são certas, mas que se ressentem da força de expressão artística. Devemos, em literatura e na arte, conduzir a luta nessas duas frentes.
97. Educação, do Liji
O texto a seguir, extraído das “Recordações Rituais”, apresenta como seria o sistema educacional ideal, proposto por Confúcio, bem como algumas das técnicas fundamentais de ensino. Este texto foi a base para os planejamentos posteriores durante as época imperiais, significando um passo inédito na antiguidade.
A vontade de agir corretamente e a procura do que é bom dariam a uma pessoa certa reputação, mas não as tornariam capaz de influir sobre as massas. A adesão a homens hábeis e sábios e a acolhida aos que chegam de países longínquos, fariam uma pessoa capaz de influir sobre as massas mas não a habilitariam a civilizar o povo. Para o homem superior, a única maneira de civilizar o povo e instituir bons costumes sociais é pela educação. Por isso os antigos soberanos consideravam a educação como o elemento mais importante, em seus esforços por implantar a ordem no país. [...] Só por meio da educação, pois, tornar-se-á alguém insatisfeito com o que sabe; e só quando tem de ensinar a outrem é que a gente dá-se conta da incômoda insuficiência dos próprios conhecimentos. Insatisfeita com o que sabe, a pessoa então percebe que é seu o mal, e dando-se conta da incômoda insuficiência de seus conhecimentos sentir-se-á impelida a aprimorar-se. [...]
O antigo sistema educacional era o seguinte: havia uma escola primária em cada povoado de 25 famílias, uma escola secundária em cada cidade de 500 famílias, uma academia em cada território de 2.500 famílias, e uma universidade na capital de cada Estado (para a educação dos príncipes e os filhos da nobreza e os melhores alunos das escolas menos graduadas). Todo ano admitiam-se novos estudantes, que no ano seguinte prestavam exames. No final do primeiro ano, procedia-se a uma tentativa de verificar até que ponto os alunos sabiam pontuar seus escritos e descobrir suas vocações. No fim de três anos. procurava-se determinar os hábitos de estudo dos alunos e sua vida grupal. No fim de cinco anos investigava-se até onde iam os conhecimentos gerais dos alunos e até que ponto eles haviam acompanhado os preceptores. No fim de sete anos, observava-se como se haviam desenvolvido as idéias dos alunos e que espécie de amigos cada qual escolhera para si. A isto se dava o título de Grau Menor. Ao cabo de nove anos era de esperar-se que o aluno dominasse as várias matérias estudadas e tivesse uma compreensão geral da vida, tendo outrossim firmado o próprio caráter em bases de onde não pudesse retroceder. A isto se dava o título de Grau Maior.
Apenas com este sistema educacional, entretanto, é possível civilizar o povo e reformar a moral da nação, de maneira que os cidadãos se sintam felizes e os habitantes de outras terras gostem de visitar o país. Tal é o fundamento da Daxue, ou educação superior.[...]
Ao entrarem os novatos na universidade, ouvem soar um gongo antes mesmo de desembrulharem os seus livros - como a incutir-lhes disciplina para o estudo. É empregada a palmatória ou bastão para reger-lhes o comportamento. Nenhum inspetor é enviado à universidade, exceto na ocasião do Grande Sacrifício aos antepassados reais, a fim de que os estudantes fiquem à vontade para se desenvolverem. O preceptor os observa, mas não lhes dá lições ininterruptas, a fim de que os estudantes tenham tempo de meditar nos assuntos por si mesmos. Os mais jovens devem ouvir e não fazer perguntas, reconhecendo a sua posição. Estas sete coisas constituem os principais fatores do ensino. Tal é o senão daquela passagem dos Documentos Antigos, que diz: "Na universidade, aqueles que já têm uma vocação estudam o que lhes diz respeito, enquanto que aqueles que ainda não escolheram um ofício observam o que pretenderão fazer mais tarde."
No regime educacional da universidade, há estudos regulares (em aula) e estudos extracurriculares que os alunos realizam em seus aposentos. Sem exercitar os dedos, não se pode aprender a tocar com destreza um instrumento de cordas. Sem uma ampla visão das coisas não se pode assimilar facilmente a poesia. Sem estar familiarizado com os diversos trajes cerimoniais não se pode apreender o estudo dos ritos. Sem conhecer as várias artes (inclusive manejo de arco e flecha, e a condução de veículos) não se pode apreciar o aprendizado colegial. Por isso, na educação do homem superior (da elite intelectual) dá-se a cada qual o tempo suficiente para aprender coisas e cultivar coisas, tempo para repouso e para recreio. Assim os estudantes passam a sentir-se no colégio como em suas próprias casas e a estabelecer relações pessoais com os professores, a prezar os amigos e a firmar convicção das próprias idéias. Podem, então, afastar-se dos mestres sem dar as costas ao estudo.
98. Educação pelos clássicos
No mesmo Liji, segue-se um trecho sobre a importância de aprender os textos fundamentais da antiguidade, proposto por Confúcio. Embora cite diretamente apenas o nome de dois livros, o texto se refere, na verdade, ao estudo das matérias contidas nos seis livros: história (shujing), poesia (shijing), música (yuejing), rituais (liji), crônicas (chunqiu) e filosofia antiga (yijing).
Confúcio disse: Assim que entro num país, posso dizer facilmente o seu tipo de cultura. Quando o povo é gentil e bom e simples de coração, isto se demonstra pelo ensino da poesia. Quando o povo é esclarecido e cioso de seu passado, isto se demonstra pelo ensino da história. Quando o povo é generoso e disposto ao bem, isto se demonstra pelo ensino da música. Quando o povo é quieto e pensativo, com agudo poder de observação, isto se demonstra pelo ensino da filosofia das mutações (yijing, ou Livro das Mutações). Quando o povo é humilde e respeitoso, sóbrio de costumes, isto se demonstra pelo ensino da li (princípio da ordem social). Quando o povo é culto na maneira de falar, ágil nas figuras e na linguagem, isto se demonstra pelo ensino da prosa (Chunqiu, ou Livro das Primaveras e dos Outonos). O perigo do ensino da poesia é que o povo continua ignorante ou demasiado simplório; o perigo do ensino da história é que o povo chegue a imbuir-se de falsas lendas e narrativas; o perigo do ensino da música é que o povo se se tornou extravagante; o perigo do ensino da filosofia é que o povo fique desnaturado; o perigo do ensino da li é que os rituais se tornem muito afetados; e o perigo do ensino do “Livro das Primaveras e Outonos” é que o povo se deixe contaminar pela confusão moral dominante. Se um homem é gentil e bom e simples, mas não ignorante, decerto será profundo no estudo da poesia; se um homem é esclarecido e cioso do seu passado, mas não imbuído de falsas lendas e narrativas, decerto será profundo no estudo da história; se um homem é generoso e disposto ao bem, mas não extravagante em seus hábitos pessoais, decerto será profundo no estudo da música; se um homem é quieto e pensativo, com agudo poder de observação, mas não desnaturado, decerto será profundo no estudo da filosofia; se um homem é humilde e respeitoso e sóbrio em seus hábitos, mas não afetado nos rituais, decerto será profundo no estudo da li; e se um homem é culto na maneira de falar, ágil nas figuras e na linguagem, mas não contaminado pela confusão moral dominante, decerto será profundo no estudo do Livro das primaveras e Outonos”.
99. Educação moderna
Kang Youwei (1858 +1927) foi um dos maiores pensadores da fase de crise chinesa, na virada dos séculos 19-20, tendo defendido propostas filosóficas, históricas e políticas inovadoras, misturadas, porém, coma tradição chinesa. Neste texto, Kang defende um novo sistema educacional, de modo que a China pudesse ser reformada para fazer frente as civilizações estrangeiras.
Quando um país se acha em tempos de paz, é necessário conceder especial atenção para a elaboração de medidas para desenvolver a inteligência do povo, promovendo com recompensas substanciais as seguintes 4 classes de estudos: a primeira se refere as disciplinas novas, que abarcam temas mal conhecidos anteriormente, como a industria, o comercio, os trens, a comunicação em sistemas elétricos, o correio, a construção naval, a aeronáutica, as ciências jurídicas e politicas, a pedagogia, a musica, a medicina, a meteorologia, a mecânica, a geometria, a quinica, a acústica, a ótica, matemática, eletricidade e o que lhe diga respeito; a segunda se refere as engenharias modernas, algumas delas de grandes dimensões como a construção de linhas férreas e a extensão de redes elétricas, outras de pequenos tamanhos como a fabricação de pequenos utensílios; se tratam principalmente de estudos que contribuem ao progresso material da sociedade...; a terceira se refere aos descobrimentos novos, que abarcam os fenômenos estrelares e astronômicos, fenômenos subterrâneos,...a aplicação criativa de materiais de feito medicinal, e outros objetos que nunca foram conhecidos antes...; a quarta se refere a conhecimentos novos, que abarcam a fabricação de objetos ou materiais sintéticos mediante um processo de decantar os elementos inúteis para conservar os elementos uteis, e a aplicação dos mesmos processos ao estudo da ciência politica, pedagogia, tecnologia e música.
100. Revolução Cultural
Um dos momentos mais terríveis da história recente chinesa foi a revolução cultural, ocorrida basicamente entre 1963 a 1976. Mao pregou uma luta contra o revisionismo comunista, uma radicalização do processo revolucionário bem como, um processo de novo achinesamento do comunismo, bloqueado o acesso dos estrangeiros ao país. “Destruir o passado para reformar o presente e construir o futuro” foi o lema que levou a destruição de milhares de obras de arte e literatura, a perseguição de intelectuais e a terrível ação da guarda vermelha – grupos de jovens que, fanaticamente, perseguiam os “inimigos do regime” e não receavam usar suas armas contra todo o tipo de pessoa. Uma época de repressão trágica, em que muitas partes do passado chinês foram destruídas, tal como pregava Hanfeizi (ver a seção História), como condição necessária para a construção de um novo futuro. A morte de Mao encerrou este violento processo de revisão cultural, marcando o fim da fase comunista radical. Depois, grande parte dos líderes desta insanidade foram presos e a China pode respirar. Seguem-se dois trechos; a convocação de Maozedong a Revolução e no seguir, o discurso de Chen Boda sobre como devia se desenrolar a revolução.
Embora a burguesia tenha sido derrotada, ela ainda está tentando usar suas idéias, sua cultura, os costumes e os velhos hábitos das classes exploradoras para corromper as massas, capturar suas mentes e tentar forçar seu retorno. O proletariado deve fazer o oposto: deve encarar a burguesia de frente, no campo ideológico, e usar idéias, sua cultura, hábitos e costumes do novo proletariado e mudas a mentalidade das pessoas de toda a sociedade. Nosso objetivo presente é esforçar-se para ir de encontro e esmagar aquelas pessoas que estão seguindo a estrada capitalista, para esmagar o burguês contra-revolucionário, a ideologia burguesa e de todas as outras classes exploradoras restantes; para modificar, também, a educação, a literatura e a arte e todas as outras partes da estrutura que não correspondem a base econômica socialista, bem como facilitar o desenvolvimento e consolidação do sistema socialista.
[...]
Certo numero de destes representantes [os revisionistas] estão espalhados no comitê central, no partido, no governo e em outros departamentos, tanto nos níveis centrais como nas províncias, nas cidades dependentes do governo central e nas províncias autônomas.
Todo o partido tem que manter em alto grau o estandarte vermelho da revolução cultural proletária, mostrando-o sem reservas frente as concepções burguesas e reacionárias das chamadas “autoridades acadêmicas”, inimigas do partido e do socialismo, e temos de criticar basicamente todas as idéias burguesas e reacionárias nas ciências, na educação, no jornalismo, na literatura, na arte, devemos enquadrá-las e conquistar a direção de todos os setores da cultura. Para isso, é indispensável criticar e ajuizar os representantes da burguesia que se introduziram no partido, no governo, no exército e nos diversos setores da cultura; é necessário depura-los, ou mudá-los para outros postos. Antes de tudo, temos que evitar de lhes confiar a direção da revolução cultural; de fato, muitas dessas pessoas todavia tem funções nessas atividades; isso se constitui um perigo extremamente grave.
Os representantes da burguesia introduzidos no partido, no governo, no exército e em diversos setores de toda cultura são um punhado de revisionistas contra-revolucionários; e quando chegar o momento, não terão dúvida em se apoderar do poder político e converter a ditadura do proletariado numa ditadura da burguesia. Temos conseguido surpreender algumas delas, mas muitas ainda estão escondidas; alguns ganham nossa confiança, mas estão se preparando para nos dar o golpe [...]
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