FILOSOFIA

Talvez a parte mais rica da literatura antiga chinesa seja aquela relativa as “jia” – escolas – que compunham o panorama intelectual chinês, e quem tem o seu gênese numa época imemorial. O costume de se afirmar que as origens do pensamento chinês situam-se na época dos Estados Combatentes (-481-221) é de certa maneira incorreta; o que este período vê é o surgimento do pensamento ético, e a divisão entre linhas de pensamento baseadas numa interpretação alternativa do conceito de Dao (caminho, via). Antes destes pensadores, a civilização chinesa já desenvolvia uma série de concepções intelectuais cujos autores desconhecemos hoje, mas que foram amplamente debatidas pelos antigos. A época Han (-206 +221) experimenta a síntese de algumas dessas linhas, como na figura de Dong Zhongshu, mas o pensamento chinês, enquanto bloco, fragmenta-se em processos diferentes de continuação. O daoísmo, por exemplo, tenderia a uma particularização de seus aspectos religiosos (ver Religião), conquanto o confucionismo seria debatido como doutrina de Estado até recentemente. Uma apresentação destas escolas, portanto, seria bastante extensiva, e nos centraremos em apresentar, pois, suas propostas o que poderia ser entendido como o Dao. De início, apresentaremos um texto do Tratado das Mutações (Yijing), em que se preservaram antigas concepções cosmológicas chinesas; do mesmo modo, um texto do Tratado dos Livros (Shujing) nos concede um olhar geral sobre a antiga sistematização das forças naturais. Confúcio (-551 - 479), o primeiro dos sábios conhecidos nos tempos clássicos, privilegiaria uma proposta baseada na tradição e na educação; Mozi (séc -4), um antagonista do confucionismo, defenderia a destruição da cultura clássica e uma espécie de comunismo primitivo; Laozi (sécs. -6 -5?), o mítico fundados do daoísmo, afirmava que o Dao era uma via de auto-conhecimento, hermética, somente acessível pelo desprendimento do mundo materialista; os legistas, representados por Shang Yang (séc. -4) defendiam seu ponto de vista baseado numa unificação do poder e dos costumes pela lei e pela força. Estes pensadores antigos seriam pesados por Sima Tan (séc. -2), pai do historiador Sima Qian (curiosamente, seu texto dá um parecer favorável aos daoístas, conquanto seu filho tornar-se-ia um ardoroso defensor de Confúcio); Dong Zhongshu (séc. -2) inaugura a fusão entre o ser humano confucionista e a escola cosmológica dos cinco agentes, determinado uma interpretação nova para a ética, política e mesmo para medicina; e Wang Chong (+ 27 + 91) criaria as bases do ceticismo chinês. Este longo processo seria adicionado pela presença do budismo, inicialmente recebido como uma escola de pensamento, como veremos no texto atribuído a Bodhidharma (séc. 5), mítico patrono do budismo chinês; Hanyu (768 + 824), dos Tang, realiza uma comparação entre confucionismo, daoísmo e budismo, e conclui pela primazia da razão letrada; este ponto de vista seria referendado pela tradição criada por Zhuxi (1130 +1200), o grande reformador do confucionismo e estruturador de uma cosmologia definitiva no pensamento chinês, a concepção do Taiji (o Máximo Supremo); e por Wang Fuzhi (1619 + 1692), um confucionista materialista e crítico, disposto a retomar a consciência ética de sua época. Estes movimentos seriam engolidos pelas crises da modernidade na China, e o paradigma comunista chinês proposto por Maozedong, no seu texto sobre a contradição, dão um exemplo perfeito e acabado da síntese entre o pensamento marxista ocidental e as teorias dialéticas de yin-yang propostas pelo classicismo chinês.



11.Yijing – o poder de domar do pequeno.
O Poder de Domar do Pequeno é um dos hexagramas mais interessantes do Yijing. Representa a possibilidade de submissão do forte pelo mais fraco, por meio da brandura e da devoção sincera. Tal atributo era valorizado por sábios e considerado uma virtude quando presente em um imperador. No seguir, o comentário de cada uma das linhas, feito por Confúcio, dá o caráter oracular do texto.



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XIAO CHU - O poder de cativar do pequeno
A imagem do Vento, o Suave (Sun, em cima), soprando pelo Céu (Tian, embaixo), sugere a pequena força cativando a grande. Uma pessoa forte é impedida por entraves pequenos, forçando-a a um compromisso. Um novo empreendimento pode assim ser restringido. Só pela suavidade uma tal situação poderá ter sucesso.

O Julgamento
O Poder de Cativar do Pequeno: sucesso. Do oeste, nuvens espessas, mas não há chuva. A perspectiva da chuva sugere um resultado frutífero, mas as nuvens não a liberam. Só pelo "poder do pequeno" - amizade e métodos sutis - podemos influenciar aos outros, ou aos acontecimentos.

A Imagem
O Vento soprando pelo Céu simboliza o Poder de Cativar do Pequeno. Assim o homem superior refina seu caráter e capacidades. Soprada pelas forças das circunstâncias, uma pessoa pode fazer pouco de significado duradouro, mas as condições permitem que nos expressemos abertamente em coisas pequenas, para os que nos cercam. É preciso usar o tempo para um auto-aperfeiçoamento.

As Linhas
Nove no fundo: retorno ao caminho reto. Sem desonra, fortuna: Não se deve usar a força, mas retornar à posição e atitude anteriores para esperar por tempos mais favoráveis. Agir de maneira simples e em harmonia com a natureza dos tempos traz a fortuna. Quem procurar um nicho, vai encontrá-lo.

Nove no segundo lugar: ele se deixa voltar ao caminho reto. Fortuna: Ao avançar, encontra-se só. Junte-se a outros, que estão tomando um rumo diferente. Assim é que se atingem objetivos. Promoções à frente.

Nove no terceiro lugar: as rodas da carroça se quebram. Marido e mulher brigam: Inconsciente dos problemas que se avultam, procura-se avançar a qualquer custo, mas a situação não é de molde a tolerar movimento, e há uma súbita disrupção. Mesmo a simpatia dos amigos pode ser perdida e vê-lo-ão como inconveniente e rude.

Seis no quarto lugar: pela sinceridade, o derramamento de sangue é evitado. As ansiedades se desvanecem. Sem desonra: A despeito das tendências prevalentes, você está perto do foco dos acontecimentos e tem alguma influência. É preciso considerar a verdade nua e crua, e então tomar uma ação eficaz. Se for sensível e honesto, poderá remendar a situação e mesmo marcar um pequeno tento.

Nove no quinto lugar: se ele for sincero e leal em seus relacionamentos, compartilhar da riqueza de seu próximo: O comprometimento com as causas baseadas em simpatia comum e necessidades comuns. A cooperação não-egoísta com os outros é frutífera. A promoção e o reconhecimento são prováveis.

Nove no alto: a chuva já caiu. Vem a paz: pode-se descansar, seguro em sua virtude. Continuar como uma mulher traz o perigo. A Lua está quase cheia. Se o homem nobre continua a avançar, o infortúnio: As condições negativas já passaram. Mas não é tempo para complacências, pois logo a Lua entrará em minguante. Analogamente a eficácia dos princípios suaves, "femininos", começa a diminuir, e os elementos hostis persistem. Não tente medidas enérgicas. Mantenha uma atitude impassível, e espere.



12.Shujing – o “Grande Plano”.
No Hongfan, ou O grande plano, aparece a primeira menção sistemática do sistema de arquitetura cosmológica baseados no ciclo wuxing (cinco agentes), que complementaria o sistema yin-yang presente no Yijing. Observe-se que, já neste momento, a vida natural e humana se encontra a articulada a esta noção.

No décimo terceiro ano o rei foi ao encontro do conde de Qi e disse: “O conde de Qi, o Céu, trabalhando de modo invisível, assegura a tranqüilidade das pessoas mais humildes ajudando-as a conformar-se à sua condição. Não sei como os princípios invariáveis do seu método, ao assim agir, poderiam ser expostos na devida ordem”.

O conde de Qi replicou: “Ouvi que na Antigüidade Guan represou as águas que inundavam a terra e com isso desorganizou a distribuição dos cinco elementos. Shang Di encolerizou-se, em conseqüência, e não lhe deu o Grande Plano com suas nove divisões e assim se permitiu que fossem destruídos os princípios invariáveis do método celestial. Guan foi conservado prisioneiro até a morte, e seu filho Yu ascendeu ao trono e tentou a mesma empresa. O Céu deu-lhe o Grande Plano com as nove divisões e os princípios invariáveis do seu método foram expostos na devida ordem”.

“Dessas divisões, a primeira é chamada “cinco elementos”; a segunda “atenção reverente para com as cinco coisas pessoais”; a terceira, “fervorosa devoção para com os oito objetos do governo”; a quarta, “uso harmonioso dos cinco divisores do tempo”; a quinta, “estabelecimento e uso da perfeição real”, a sexta. “uso discernido das três virtudes”; a sétima, “uso inteligente dos meios para exame das dúvidas”; a oitava, “uso meditado das diversas verificações”; a nona, “uso exortatório das cinco fontes de felicidade e uso temeroso das seis oportunidades de sofrimento”.

“Primeiro: dos cinco elementos, o primeiro é a água; o segundo é o fogo; e o terceiro a madeira; o quarto o metal; o quinto é a terra. A natureza da água consiste em molhar e descer. A do fogo, em arder e subir. A da madeira, em curvar-se a alinhar-se. A do metal, em amolecer e mudar. A da terra, em receber as sementes e produzir a colheita. O que molha e desce se converte em sal. O que arde e sobe se converte em amargo. O que se curva e se alinha se converte em ácido. O que amolece e muda se converte em acre. E da semeadura e colheita procede a doçura”.

“Segundo: das cinco coisas pessoais, a primeira é o porte corporal; a segunda a linguagem; a terceira, a vista; a quarta, ouvido; a quinta, o pensamento. A virtude do pobre corporal é a conduta respeitosa. A da linguagem, sua concordância com a razão. A da vista a claridade. A do ouvido, a diferenciação. A do pensamento, a perspicácia. A conduta respeitosa manifesta-se na gravidade. A concordância com a razão, na ordem. A claridade, no entendimento. A diferenciação, na deliberação. A perspicácia, na sabedoria”.

“Terceiro: dos oito objetos do governo, o primeiro é o alimento, o segundo a riqueza e os artigos do uso, o terceiro os sacrifícios, o quarto as tarefas do Ministro de Obras Públicas, o quinto as do Ministro da Instrução, o sexto as do Ministro da Justiça, o sétimo as cerimônias que devem ser tributadas aos hóspedes, o oitavo o exército”.

“Quarto: dos divisores do tempo, o primeiro é o ano do planeta Júpiter, o segundo a Lua, o terceiro o Sol, o quarto as estrelas e os planetas e espaços zodiacais, o quinto os cálculos do calendário”.



13.Confúcio – Sabedoria é educação.
Neste texto, presente no livro A Justa Medida (Zhong Yong), Zisi, neto de Confúcio, sintetiza o caminho proposto pelo avô, que se basearia na realização por meio da educação – único meio humano de alcançar a harmonia com a natureza e a sociedade.

Aquilo que o céu outorgou se chama Natureza. A harmonia com essa natureza chama-se Caminho do Dever. A ordenação desse caminho chama-se Instrução. Nem por um instante se pode abandonar o caminho. Se pudesse ser abandonado, não seria o caminho. A esse respeito, o homem superior, para ser prudente, não espera até ver as coisas; nem para ser apreensivo espera até ouvir as coisas. Nada há mais visível do que o secreto. Nada mais manifesto do que o minúsculo. Portanto, o homem superior cuida de si mesmo quando está sozinho.

Quando não há agitações de prazer, de cólera, de pesar ou de alegria, pode-se dizer que a mente se encontra em estado de Equilíbrio. Quando esses sentimentos se agitam e atuam em seu devido grau, produz-se o que se pode chamar estado de Harmonia. Esse Equilíbrio é a grande base da qual procedem todos os atos humanos no mundo e essa Harmonia é o caminho universal que todos eles devem seguir. Se existem em sua perfeição esses estados de equilíbrio e da harmonia, prevalecerá uma ordem feliz no Céu e na Terra e todas as coisas serão estimuladas e florescerão.

“Que o homem superior atenha-se ao sistema do Meio, deve-se ao fato de ser um homem superior e assim manter sempre o Meio. Que o homem inferior atue contra o sistema do Meio, deve-se ao fato de ser ele um homem inferior e não ter cautela”. Disse o Mestre: “Perfeita é a virtude que está de acordo com o Meio. Entre o povo, raros foram aqueles que puderam praticá-la!"

[...]

Como é grande o caminho do sábio! Como a água que derrama, produz e nutre todas as coisas e se eleva à altura do céu. A grandeza completa! Abrange as trezentas regras de cerimônia e as três mil regras da conduta. Espera o homem adequado, e logo é encontrada. Por isso se disse: “Só pela virtude perfeita pode converter-se em realidade o perfeito caminho, em todas as suas direções”. Portanto, o homem superior honra sua natureza virtuosa e investiga e estuda constantemente, procurando levá-la à sua amplitude e grandeza, para não omitir nenhum dos pontos mais estranhos e diminutos que ela abrange, e elevá-la à maior altura e brilho, a fim de seguir o caminho do Meio. Utiliza seus antigos conhecimentos e continuamente adquire outros novos. Exerce honesta e generosa seriedade na avaliação e prática de toda regra social.

[...]

Unicamente aquele que possui todas as qualidades sábias que possam existir sob o Céu mostra-se rápido na compreensão, claro no discernimento, de inteligência ampla, com um conhecimento que tudo abrange, dotado para exercer o governo, magnânimo, generoso, benigno e humilde, dotado para exercer a indulgência, impulsivo, enérgico, firme e constante, capaz de manter uma influência firme, apto, grave, nunca desviado do meio e correto, digno de veneração, culto, distinto, concentrado, investigador, capaz de exercer o discernimento. Tudo abarca e é amplo, profundo e ativo como uma fonte e mostra suas virtudes em tempo oportuno. Tudo abarca e é amplo como o céu. Profundo e ativo como a fonte, parece-se com o abismo. É visto, e todo o povo o venera. Fala, e todo o povo acredita. Age, e todo o povo o apóia.



14. Mozi – Contra a cultura.
A teoria moísta, grande rival da escola dos letrados, constitui-se numa espécie de socialismo camponês, que desprezava a cultura de elite, privilegiava a supressão do Estado e valorizava uma harmonia pautada na simplicidade, na vida comunitária do campo e num certo desprendimento material. No entanto, eram extremamente devotos a concepção de um Céu protetor, demonstrando que compartilhavam da idéia de uma harmonia cósmica com a natureza.

Ora, que é que o Céu preza e que é que o Céu abomina? Indubitavelmente, o Céu deseja que os homens se amem e auxiliem mutuamente, e reprova que se odeiem e hostilizem. Como chegamos a esta conclusão? Simplesmente porque o Céu ama e favorece toda a humanidade. E como sabemos que o Céu ama e favorece a humanidade inteira? Porque o céu protege a todos, e de todos aceita oferendas. Todos os países do mundo, grandes ou pequenos, são cidades do Céu; todos os homens, velhos ou moços, fidalgos ou humildes, são súditos celestes; em verdade, todos eles apascentam bois e ovelhas, alimentam cães e porcos e preparam vinho e bolos para sacrificá-los ao Céu. Acaso não significa isto que o Céu protege a todos e de todos aceita oferendas? Desde que é assim, como não deveríamos pensar que o Céu deseja que os homens se amem e auxiliem mutuamente? Logo, o Céu abençoará os que procederem de acordo com esse preceito, e amaldiçoará os que odeiam e prejudicam o próximo, pois foi dito que "a adversidade há de ferir o assassino do inocente". Como explicaríamos de outro modo o fato de recair sobre os criminosos a maldição celeste? Logo, o Céu deseja o amor do próximo e detesta o ódio ao próximo.

[...]

E agora, que é o que o céu preza e que é que o Céu abomina? O Céu deseja a justiça e detesta a injustiça... Como podemos saber que o Céu abomina a injustiça e preza o direito? Porque o mundo vive com o direito e, sem ele, perece; pelo direito, o mundo enriquece; empobrecerá, se ele faltar; o direito gera a ordem; a injustiça origina o caos. O Céu quer que o mundo viva, e detesta vê-lo perecer; quer vê-lo rico e não pobre; deseja a ordem e condena a confusão. Eis como sabemos que o Céu preza o direito e abomina a injustiça.

Como podemos saber que o Céu ama os homens? Porque os ensina a todos. Como sabemos que os ensina? Porque os defende a todos. Como sabemos que os defende a todos? Porque aceita sacrifícios de todos. Como sabemos que aceita sacrifícios de todos? Porque, na extensão dos quatro mares, todos os homens alimentam com ervas, bois e carneiros, dão cereais aos cães e porcos e preparam bolos e vinhos para ofertá-los a Deus, nas alturas e aos espíritos. Por que todos se queixam de que o Céu não lhe tem amor? Como já disse, o assassínio de um inocente acarreta uma calamidade. Quem é o assassino de um inocente? É um homem. Quem envia o castigo? O Céu. Se o Céu não prezasse os homens, por que puniria a morte de um deles? Logo, sei que o Céu ama os homens. Obedecer ao poder celeste é aceitar a justiça como padrão. Opor-se ao poder celeste é tomar por norma a força.



15. Laozi – a via é o desprendimento e a não-ação.
Laozi seria o mestre fundador da escola do Dao (caminho), que propunha uma integração absoluta com a natureza como única forma de resolver os desequilíbrios provocados pela vida social e cultural. Adepto de uma perspectiva individualista e transcendental, Laozi promoveu a concepção de que o Dao é, em si, o próprio cosmos, e o método para alcançá-lo é simplesmente deixar-se levar e não-agir (wuwei). Nestes dois fragmentos, Laozi propõe a impossibilidade de alcançar a via por meios racionais; depois, alude brevemente no que consiste a “não ação”.

O Dao
O caminho que não pode ser seguido não é o Caminho Perfeito.
O nome que não pode ser dito não é o Nome eterno.
No princípio está o que não tem nome.
O que tem nome é a Mãe de todas as coisas.
Para que possamos observar os seus segredos
devemos permanecer sem desejos.
Mas se em nós mora o desejo, a única coisa que
podemos contemplar
é a sua forma externa.
A casca que a essência oculta.
Esses dois estados existem para sempre inseparáveis.
Diferentes unicamente em nome.
Conjuntamente idênticos, unidos, integrados.
São chamados os mistérios!
Mistérios além dos mistérios.
O Portal que conduz a tudo aquilo que é sutil e maravilhoso,
ao recôndito segredo de todas as essências!

Encontro de Opostos
Todos no mundo reconhecem o belo como Belo e,
desta forma, sabem o que é o Feio.
Todos no mundo reconhecem o bem como o Bem e,
desta forma, sabem o que é o Mal.
Assim o ser e o não-ser geram-se mutuamente
O longo e o curto se delimitam. O alto e o baixo se
inclinam.
O tom e o som se harmonizam. O antes e o depois
seguem-se um ao outro.
Assim o sábio executa suas tarefas sem agir e transmite
ensinamentos sem usar palavras.
Todas as coisas agem, e ele não lhes nega auxílio.
Produz sem apropriar-se de coisa alguma.
Realiza sua tarefa e não pede gratidão.
E é justamente porque não se apega que o mérito
jamais o abandona e suas obras meritórias subsistem.



16.Legistas – Shang Yang e a criação dos padrões corretos.
A teoria legista insistiu, desde o início, na questão de que as leis seriam a via (Dao). Todas as outras discussões se remetiam a necessidade do ser humano buscá-la; a teoria legista imaginava poder impor uma interpretação do caminho a todos, sob forma de lei. No texto a seguir, de Shang Yang, fica bem clara a delimitação desta proposta, que iria influenciar os legistas posteriores.

A sofística e a sagacidade constituem um apoio à ilegalidade; os festejos e a música são sinais de desregramento e libertinagem; a simpatia e a benevolência constituem a mãe adotiva das transgressões; o emprego e a promoção representam oportunidades para a crueldade dos malfeitores. Se a ilegalidade é incentivada, toma-se dominante; se existem sinais de desregramento e libertinagem, tornar-se-ão prática corrente; se existir uma mãe adotiva para as transgressões, estas despertarão; se existirem oportunidades para a crueldade dos malfeitores, esta nunca tem um fim. Caso estes oito fatores se manifestem conjuntamente, o povo será mais forte do que o governo; mas se forem inexistentes num estado, o governo será mais forte do que o povo. Se este é mais forte do que o governo, o estado será fraco; se o governo é mais forte do que o povo, o exército é mais forte. Pois se existirem estes oito elementos, o governante não poderá utilizar ninguém na defesa e na guerra, o que resultará no desmembramento e ruína do estado; mas se estes elementos não existirem, o governante possuirá os recursos para a defesa e guerra, o que resultará no desenvolvimento do estado e na conquista da supremacia.

Se forem empregados funcionários virtuosos, as pessoas adorarão os respectivos familiares, mas se forem empregados funcionários cruéis, o povo adorará os estatutos. Concordar com, e responder aos apelos dos outros é tarefa dos virtuosos; divergir de espiar os outros é tarefa dos malvados. Se os virtuosos forem colocados em posições de destaque, as transgressões permanecerão ocultas; porém, se forem colocados os cruéis, os crimes serão punidos. No primeiro caso, as pessoas serão mais fortes do que a lei; no último, a lei será mais forte do que as pessoas. Se as pessoas forem mais fortes do que a lei, manifestar-se-á ilegalidade no estado, mas se a lei é mais forte do que o povo, o exército será mais forte. Daí, afirmar-se: “Governar com boas pessoas conduz à ilegalidade e ao desmembramento; governar com pessoas malvadas conduz à ordem e ao poder”. Um país que ataca com aquilo que é difícil, ganhará dez passos por cada ação que empreender; um país que ataca com aquilo que é fácil perderá uma centena de homens por cada dez que o abandonarem. Um país que preza a força é definido como capaz de atacar com aquilo que é difícil; um país que preza as palavras é definido como capaz de atacar com o que é fácil. As pessoas consideram fácil falar, mas difícil servir. Um estado em que, ao aplicar as leis do país, as condições para o povo são difíceis, mas facilitadas através do serviço militar, atacando com mais força, ganhará dez pontos por cada ação que empreender; porém, um estado em que, ao aplicar as leis do país, as condições para o povo são fáceis e se tomam difíceis através do serviço militar, atacando com as palavras, perderá uma centena de homens por cada dez que o abandonarem.

[...]

Um governo estável é alcançado num estado com base em três fatores. O primeiro é a lei, o segundo a boa fé e o terceiro os padrões corretos. A lei é exercida em comum pelo príncipe e respectivos ministros. A boa fé é estabelecida em comum pelo príncipe e respectivos ministros. O padrão correto é fixado apenas pelo príncipe. Se um governante de homens deixar de o cumprir, existe perigo; se o príncipe e os ministros negligenciam a lei e agem segundo os seus interesses pessoais, a desordem será o resultado inevitável. Por conseguinte, se a lei é estabelecida, os direitos e deveres esclarecidos e o interesse pessoal não prejudicam a lei, então existe um governo estável. Se a criação do padrão correto é decidida apenas pelo príncipe, existe prestigio. Se as pessoas têm fé nas recompensas, então as suas atividades alcançarão resultados; e se depositam fé nas penalidades, então a malvadez não terá sequer inicio. Somente um governante inteligente preza os padrões corretos e valoriza a boa fé, não prejudicando, assim, a lei em nome de interesses pessoais. Se proferir muitas palavras liberais, cortando, porém, as recompensas, os seus súditos não serão úteis; e se emitir ordens severas, umas atrás de outras, mas não aplicar as penalidades, as pessoas desprezarão a pena de morte.



17.Sima Tan – a discussão sobre as seis escolas.
Na “Discussão do essencial das seis escolas”, Sima Tan, pai do historiador Sima Qian, propunha uma avaliação comparativa das escolas de pensamento na época Han. Nesta época de sínteses, seu texto se trata de um dos primeiros balanços sobre a herança intelectual chinesa das eras antigas, dando uma certa preferência aos daoístas. Seu filho conservou o texto no Shiji, ainda que fosse um confucionista dedicado da linha sincrética de Dong Zhongshu.

O grande comentário do Tratado das Mutações diz: “há um que movimenta tudo, mas é dele que vêm todas as escolas e teorias. Elas têm o mesmo objetivo, mas seus caminhos são diferentes”. As escolas yin-yang, os confucionistas, os moistas, os lógicos, os legalistas e o daoístas, todos procuram por um bom governo. Elas são simples de seguir e ensinam caminhos diferentes, e algumas são mais acessíveis do que outras.

A escola yin-yang tem teorias que enfatizam demais as forças naturais, ensinando que as coisas estão além do homem. Isso faz com que as pessoas se sintam limitadas e medrosas. No entanto, seu trabalho arruma de modo correto a fundamental sucessão das quatro estações, e preenche uma necessidade essencial de ordem.

Os confucionistas são muito vastos em seus interesses, mas não se ligam ao que é essencial. Eles trabalham e estudam demais para conseguirem sucessos pequenos, sua disciplina é difícil de seguir e densa. Mas este é o caminho das regras de conduta entre senhor e servo, entre pai e filho, as distinções apropriadas entre marido e esposa, entre os anciãos e jovens, e das coisas que não podem ser alteradas.

Os moístas são radicais demais em sua parcimônia, e por isso seu caminho é difícil de ser seguido, assim como seus ensinamentos são difíceis de aplicar. Mas sua ênfase na agricultura e seus pontos de vista sobre frugalidade não podem ser desprezados.

Os legalistas são duros e intransigentes. Mas, eles definiram corretamente os direitos entre senhor e sujeito, entre superior e inferior, e estas distinções não podem ser mudadas.

Os lógicos são homens de causa, que gostam de extrapolar a razão e perder a verdade. Mas seu caminho distingue claramente as diferenças entre os nomes e as realidades, e isso é uma coisa que as pessoas em geral não conseguem entender.

Os daoístas ensinam uma vida de concentração espiritual e o ato de se harmonizar coma natureza. Seus ensinamentos são auto-suficientes e abarcam todas as coisas. Seu método consiste em seguir a ordem das estações da escola yin-yang, em selecionar o que é bom do confucionismo e do moísmo, e em adotar os pontos de vista críticos dos lógicos e dos legalistas. Eles modificam suas considerações de acordo com a época, e respondem às transformações do mundo adaptando-se.

Ao estabelecer costumes e práticas, ou decidir sobre casos importantes, eles não fazem nada mais do que o apropriado ao tempo e ao lugar. Seus princípios são simples e fáceis de seguir; empreendem poucas coisas, mas conseguem bastante sucesso.



18.Dong Zhongshu – a fusão do confucionismo e da cosmologia.
Embora seja pouco conhecido no Ocidente, Dong Zhongshu é o mentor de uma revolução nas sínteses filosóficas da era Han. Seu trabalho consistiu em articular a teoria dos cinco agentes (wuxing) ao confucionismo, estabelecendo uma relação “eco-lógica” entre natureza, seres humanos e sabedoria. Tal como justifica a existência do poder real baseado nestes princípios, Dong lança as bases das correlações causais entre o corpo e os agentes, objetos que seriam plenamente empregados nas matérias médicas chinesas. Ao ler os trechos a seguir, perceberemos o eco de sua obra em várias das disciplinas chinesas que conhecemos atualmente. De modo impressionante, porém, seu texto – o “Gemas Luxuriantes das Primaveras e Outonos” (Chunqiu Fanlu) ainda não foi traduzido para idiomas ocidentais, exceto em trechos.

Juntos, os éteres (qi) do universo constituem uma unidade; divididos constituem Yin e Yang; divididos em quatro, constituem as quatro estações; (ainda mais) divididos, constituem os cinco elementos. Estes elementos representam movimento. O movimento deles não é idêntico. Por isso nós os chamamos os cinco motores (Wuxing). Esses motores constituem cinco poderes oficiantes. Cada um, por sua vez, dá origem ao seguinte e é submetido pelo que se lhe segue.

[...]

Tem o céu 5 forças, a saber: a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água. A madeira é o primeiro, e a água o ultimo, com a terra no meio. Tal é sua seqüência ordenada pelo céu. A madeira dá origem ao fogo, o fogo dá origem a terra (cinzas), a terra dá origem ao metal, o metal dá origem a água, e a água dá origem a madeira. Tal é sua relação criadora. A madeira está à esquerda, o metal à direita, o fogo adiante, a água atrás, e a terra no centro. Esta é a ordem em que, como pais e filhos, recebem o ser e o transmitem em reciprocidade. Assim, a madeira o recebe da água, o fogo da madeira, a terra do fogo, o metal da terra, e a água do metal. Enquanto os transmissores todos são pais; enquanto receptores, todos são filhos. Confiar constantemente no próprio pai a fim de prover para o próprio filho é a via do céu.

Por conseguinte a madeira, enquanto árvore vivente, é alimentada pelo fogo (sol); o metal, uma vez morto, é sepultado pela água; o fogo se compraz na madeira, e a nutre por meio da energia yang (solar); a água vence ao metal (seu pai), mas o chora por meio da energia yin. A terra demonstra a máxima lealdade no serviço do céu. Assim, as 5 forças proporcionam uma norma de conduta para ministros leais e para filhos devotos de seus pais...

O sábio, compreendendo isso, incrementa o seu amor e diminuiu sua severidade, faz mais generoso seu auxilio aos vivos e mais respeitoso seu cumprimento dos ritos funerários pelos mortos, ajustando-se assim a norma estabelecida pelo céu.

Como filho, cuida piedosamente de seu pai, o mesmo que o fogo se compraz na madeira, e chora a seu pai, o mesmo que a água vence ao metal. Serve ao seu soberano como a terra reverencia ao céu. Assim, pode chamar-se um homem de força. Exatamente igual como cada uma das 5 forças mantém seu lugar próprio de acordo com sua ordem estabelecida, assim os funcionários públicos, em conformidade com as 5 forças, se esforçam ao máximo empregando suas faculdades em seus deveres respectivos.


[...]

Quando se verte água no solo, esta evita partes secas e procura as úmidas. Quando se põe fogo em um tronco, esse evita o molhado e queima as partes secas. Todas as coisas rechaçam o que é distinto e seguem o que é igual; por isso, quando dois qi são semelhantes, completam-se; quando são diferentes, repelem-se.

A prova disto é muito clara: afinar instrumentos musicais. A nota Kung ou a Shang tocadas no alaúde serão respondidas por notas Kung ou Shang de outros instrumentos de corda. Soam por si mesmas.

Do mesmo modo, as coisas bonitas chamam outras coisas da classe das bonitas, as repulsivas chama as repulsivas. Isto provém do modo complementar pelo qual respondem as coisas da mesma classe. As coisas chamam umas as outras, igual com igual, como um dragão que traz a chuva, um leque abana o calor, ou um lugar onde haja passado um exército estará cheio de fogueiras. As coisas, bonitas ou feias, tem todas a sua origem. Se crermos que constroem o destino, é porque nada conhecemos de sua origem. Não há nenhum sucesso que não dependa, em seu início, de algo anterior, a que responde porque pertence a sua mesma categoria, e por isso se move.

Como se disse, quando se toca a nota Kung, outras cordas reverberam por si mesmas em ressonância complementar; se tratam de coisas comparáveis, afetadas de acordo com a classe a que pertencem. São movidas por um som que não tem forma visível, e quando os homens não vêem a forma acompanhando o movimento e a ação, descrevem o fenômeno como um "soar espontâneo". E onde quer que haja uma reação mútua sem nada visível para explicá-lo, descrevem o fenômeno como "espontâneo". Cada coisa está ligada mutuamente a outras, e muda quando as outras mudam.



19.Wang Chong – sabedoria e ceticismo.
O panorama intelectual da época Han é fertilíssimo na definição de muitas questões importantes para o pensamento chinês posterior. Wang Chong foi um destes autores férteis, que lançou as bases de um ceticismo científico chinês. Seus textos, contidos numa coletânea chamada “Discursos críticos” (Luheng), abraçam uma gama variada de assuntos, todos eles permeados por uma crítica lógica e racionalista. Uma certa controvérsia existe entre alguns autores sobre a herança legada por Wang; conquanto se afirme usualmente que pouco de seu pensamento tenha sobrevivido depois de sua morte, uma apreciação mais profunda e atual demonstra que certas concepções científicas chinesas baseiam-se, ainda, em suas propostas de análise e no seu método rigoroso de dedução.

Para o homem comum, os sábios de antigamente podiam prever a boa ou a má sorte porque sabiam deduzir partindo de coisas insignificantes e prever o resultado final partindo do começo, iniciando por trivialidades do homem da rua para chegar a comentar, por analogia, os assuntos mais importantes da corte e por fim, penetrar nas coisas ocultas e invisíveis. Assim, ele podia escrutinar fenômenos diversos para prever e evitar as desgraças. Podia examinar o passado e supor o futuro. Os homens ditos videntes não devem sua capacidade a dotes excepcionais, mas sim a racionalização que efetuam baseando-se na classificação das coisas.

[...]

Todo argumento que vá contra os fatos e que careça de provas será incapaz de inspirar confiança nas pessoas, por mais eloqüente que seja sua expressão e por mais impressionante que pareça ser.

[...]

Não há mais clara demonstração da verdade de um fato que seus resultados e não há teoria mais sólida que aquela corroborada pelas provas.

[...]

Ao comentar algo, sem concentração, sem clareza, ou procedendo a avaliações baseadas em dados superficiais do que se viu ou ouviu, sem submeter a questão a uma análise da mente, significa simplesmente atuar sem base na reflexão. Comentar algo, apenas com base no que se vê ou ouve, leva inevitavelmente ao erro. Dar crédito ao erro e ao aparente é confundir o certo com o equivocado. Para avaliar corretamente as coisas, é necessário recorrer à reflexão, e não apenas às impressões causadas pelos olhos e ouvidos.



20. As vias no budismo chinês.
No texto a seguir, atribuído a Bodhidharma, que teria sido um dos introdutores do budismo na China e o primeiro patriarca Chan (Zen), explica-se as “Duas maneiras de se entrar no caminho” na visão desta doutrina, estabelecendo aí um diálogo com a terminologia chinesa já existente.


Há muitas maneiras de se entrar no Caminho, mas de uma maneira geral elas pertencem a apenas duas espécies. Uma é a Entrada Através da Razão e a outra é a Entrada Através da Conduta. "Entrada Através da Razão" é a compreensão do espírito do Budismo, conseguida com o auxílio do ensinamento das escrituras. Nós obtemos então uma profunda confiança na Verdadeira Natureza, que é a mesma em todos os seres viventes. O fato de ela não se mani¬festar é devido à poeira dos. objetos externos e aos falsos pensamentos. Quando um homem, abandonando o falso e se entregando ao verdadeiro, pratica a meditação, descobre que não há nem eu nem outro e que o vulgar e o sagrado são da mesma essência. Mantém ele então confiança inabalável nisso e jamais se desvia. Não se torna mais escravo de palavras, pois está em silenciosa identificação com a própria Razão e livre da discriminação conceitual; ele é sereno e não age. Eis a Entrada Através da Razão.

Por "Entrada Através da Conduta" nós entendemos as Quatro Condutas; nas quais todos os atos estão incluídos. Quais são as quatro? 1) Saber se afastar do ódio; 2) Ser obediente às condições; 3) Não desejar nada; 4) Estar em acordo com o Darma.

O que significa "saber se afastar do ódio"? Aquele que se disciplina no Caminho, ao se defrontar com condições adversas, deverá pensar da seguinte maneira: - "Durante incontáveis eras passadas eu me apeguei a detalhes insignificantes da vida, desprezando o essencial; vagueei pelas existências criando um sem-número de ocasiões para o ódio, a hostilidade e as más ações. Embora violações não estejam sendo cometidas presentemente, os frutos das más ações cometidas no passado estão amadurecendo agora. Nem deuses, nem homens poderiam me advertir do que se abate sobre mim. Deverei me submeter de boa vontade e pacientemente a todos os males que se abaterem sobre mim, sem jamais me lamentar. Os Sutras dizem que jamais devo me afligir por causa do .mal que se abate sobre mim. Por quê? Porque quando as coisas são vigiadas por uma inteligência superior, os fundamentos da causação são alcançados por ela.” Quando tais pensamentos despertarem num homem, ele estará de acordo com a Razão, porque ele faz o melhor dos usos do ódio, pondo-o a serviço de seu avanço pelo Caminho. Eis o que significa "saber se afastar do ódio".

Por "ser obediente às condições", entende-se o seguinte: não existe nenhum eu nos seres, que são produzidos por condições kármicas; a alegria ou o sofrimento que experimentamos advém de nossas ações prévias. Se obtemos fortuna, honra, etc., isso tudo é produto de nossas ações passadas que, em virtude da causação, afetam nossa vida presente. Quando a força dessas condições se esgota, os resultados que gozamos voltam para o nada; por que então haveríamos de nos alegrar com eles? Aceitemos ganhos e perdas como eles nos são apresentados pelas condições; a Mente sabe que nada cresce e nada diminui. O vento dos prazeres não nos abala, pois silenciosamente permanecemos em harmonia com o Caminho. Eis o que significa "ser obediente às condições".

"Não desejar nada" significa o seguinte: as pessoas do mundo, em eterna confusão, por toda parte permanecem apegadas a uma coisa ou outra; a isso nós chamamos desejo. O sábio, entretanto, compreende a verdade e não é como o ignorante. Sua mente descansa serenamente no não criado, enquanto seu corpo se move de acordo com as leis da causalidade. Todas as coisas são vazias e nada há de desejável a se procurar. Onde quer que se encontre o mérito da claridade, certamente se esconde o de mérito da escuridão. Este tríplice mundo em que permanecemos juntos por tão longo tempo é semelhante a uma casa em chamas; tudo o que tem corpo sofre e ninguém conhece a paz. Como o sábio está totalmente compenetrado dessa realidade, jamais se apega às coisas em mutação. Seus pensamentos estão aquietados; de jamais deseja nada. Diz um Sutra: - "Onde há desejo, só há sofrimento; onde não há desejo, há alegria." Assim compreendemos que "não desejar nada" é uma atitude que está de acordo com o Caminho. É por isso que se ensina que não se deve desejar nada.

“Estar de acordo com o Darma" significa que a Razão a que chamamos Darma é pura em sua essência e que essa Razão é o princípio da vacuidade em tudo o que é manifestado; está ela além da impureza e do apego; não há nem eu nem outro nela. Diz um Sutra: - "No Darma não há seres viventes, pois ele está livre da impureza dos seres viventes; não há eu no Darma, pois ele está livre da impureza do eu." Se um sábio compreende essa verdade, e confia nela, suas ações se tornarão "de acordo com o Darma".

Como na essência do Darma nada se deseja, o sábio está sempre pronto para praticar a Caridade sem lamentar seu corpo, sua vida ou sua propriedade; em sua mente não há má vontade. Como ele tem uma compreensão perfeita da natureza tríplice do Vazio, está além da parcialidade e do apego. É apenas movido pela necessidade de libertar os seres das impurezas que ele toma forma semelhante à deles; entretanto, ele não se apega à forma. Em suas vidas, essa é a fase de benefício próprio. Ele, porém, sabe também como beneficiar os outros e como glorificar a Via da Iluminação. O mesmo que se dá com a Caridade se dá também com as outras cinco virtudes. O sábio pratica as Seis Virtudes para afastar os pensamentos confusos e não há nele nenhuma consciência de recompensas que lhe possam caber em virtude de suas ações meritórias. A isto se chama "estar de acordo com o Darma".



21. Hanyu – uma comparação entre confucionismo, daoísmo e budismo.
Hanyu foi um dos mais prolixos pensadores da época Tang, e um dos poucos ativos defensores do confucionismo filosófico. Veremos na seção “Religião” seu memorial contra uma relíquia budista; neste momento, porém, Hanyu discute no que se constituía o Dao em sua visão, criticando daoístas e budistas por seus pontos de vista pouco atentos a realidade do mundo. Compare este trecho com o de Sima Tan, nesta mesma seção.

O amor que abarca a todo o mundo se chama humanismo. Uma conduta que se conforma as prescrições deve se chamar justiça. Se chama caminho a prática de ambos os preceitos. Se chama virtude o fato de bastar-se a si mesmo sem esperar nada de fora. Assim, o humanismo e a justiça são noções bem determinadas, apesar da via e da virtude dependerem das contingências. Por isso se distingue a via do sábio e a do vulgo, a virtude fasta e a nefasta.

Em outros tempos, Laozi tentou difamar o humanismo e a justiça, sem conseguir. Ele as considerava pouco importantes, devido ao seu estreito ponto de vista. (...) Laozi só viu o lado mesquinho da humanidade, bem como só se preocupou com os atos de injustiça; é normal, pois, que os considerasse pouco importantes. [...] Mas agora os daoistas e os budistas querem governar seus corações rechaçando as noções de pais, de família, e de universo. Anulam leis imutáveis estabelecidas pelo céu; seus filhos não respeitam os pais, os súditos não respeitam os senhores, o povo não cumpre seus deveres. [...] Os budistas seguem preceitos estrangeiros e bárbaros, e os elevam acima dos ensinamentos de nossos antigos mestres e reis; pouco falta para se converterem em bárbaros.

E quais eram os ensinamentos de nossos antigos reis? Que o amor que abarca o mundo todo se chama humanismo; que uma prescrição que segue o dever se chama justiça. O que se chama caminho é a prática destes preceitos; e a virtude é bastar-se a si mesmo sem necessidade de qualquer coisa de fora. (...) esta via é fácil de explicar e compreender, este ensinamento e fácil de por em prática. Se as pessoas o aplicam a si mesmas, tudo frutifica sem problemas; se as pessoas o colocam em seu coração, todos se tornam afáveis e serenos.



22. Zhuxi – o máximo supremo e a redenção de Confúcio.
O grande redentor do confucionismo na época Song foi Zhuxi. Isso não se deve a ausência de outros autores – muitos eram, inclusive, extremamente capazes – mas Zhuxi tinha uma capacidade de trabalho especial, uma coragem para afirmar seus pontos de vista e ainda, uma sutileza teórica envolvente e muito bem articulada. Zhuxi desmontou o confucionismo e o reconstruiu em novas bases, mas revelando e mantendo um princípio original que parecia perdido. Dando sentido a certas passagens obscuras ou mal resolvidas do confucionismo, ele pode fazer frente ao budismo e ao daoísmo, criando uma ortodoxia que se manteria ao longo dos séculos como referência obrigatória na Escola dos Letrados. Nos trechos a seguir, duas definições sucintas do que seria o Taiji – o máximo supremo – construção fundamental para explicar a originação de yin e yang dentro da cosmologia chinesa; depois, uma definição breve sobre o que consiste o caminho do estudo.


Taiji (Máximo Supremo) é o Li (Princípio) do Céu, da Terra e de todas as criaturas. Mas há um li para o céu, um li para a Terra, um li para todas as coisas, e por fim, um li em cada uma das coisas, dentro delas. Antes do Céu e da Terra, não havia ainda um li dessas coisas. Quando se produz o yang, só há esse li. Quando se produz o yin, ainda só há esse li.

[...]

Em termos de yang e yin, o yang dá o movimento (função) e yin dá a quietude (base). Mas sempre há alternância entre movimento e quietude, entre yang e yin, sem começo nem fim. Então, é impossível diferenciá-los. Vamos nos ater ao ponto inicial: antes do movimento há quietude, antes da função há base, antes da percepção há o silêncio; mas se antes de yang não há yin, ou se é preciso percepção para perceber o silêncio, ou o movimento para atingir a quietude...; o que deve, então, ser tomado como anterior e posterior? O que muda, hoje, é resultado das alternâncias anteriores, e isso não pode ser negligenciado.


[...]

Em minha avaliação pessoal, quando os homens santos e sábios dos tempos antigos ensinavam seus estudantes, não perseguiam outro objetivo que dar-lhes a conhecer os princípios fundamentais da justiça para que se dedicassem ao auto cultivo de sua personalidade e logo fizeram uso extensivo de seu exemplo aos demais; não queriam que os estudantes pusessem por escrito em artigos de linguagem culta o que haviam ditado somente para conseguir fama ou proveito pessoal [...] estudamos com o objetivo pessoal de conhecer as idéias dos homens santos e sábios e, através destas, chegarmos a conhecer as leis da natureza.



23. Wang Fuzhi – resgatando a via.
Wang Fuzhi (1619+1692) foi um confucionista de amplo espectro, e que acompanhou a invasão manchu e a difícil transição da dinastia Ming para o controle dos bárbaros, que fundariam a dinastia Qing (1644). Abordando aspectos diversos da história, da moral, da cosmologia e da ciência, Wang ajudou a estabelecer a última fase do confucionismo crítico e materialista, tentando dar-lhe um caráter social e resistente. No entanto, o que se veria depois seria o engessar da doutrina numa erudição arcaizante e reacionária, voltada ao sistema burocrático, e totalmente ao contrário do que a introspecção aventada por Wang propunha. Séculos depois, o efeito deste apagar de luzes se veria na incapacidade dos letrados reagirem a presença estrangeira, e somente no final do século 19 um renascimento – efêmero – de um confucionismo ativo seria visto.

Sem haver chegado à suma sabedoria, é impossível construir um juízo acertado, e estaremos sempre limitados a averiguar fenômenos aparentes, incapacitados de investigar e emitir juízos próprios.

Sem escrutinar a natureza das coisas, a função reflexiva da mente não pode surtir efeito adequado, e o resultado será vacilar ante as tentações mundanas e deslizar para um caminho vicioso. Deste modo, chegar à suma sabedoria e escrutinar a natureza são métodos mutuamente complementares, e é preciso dedicar energia simultaneamente para ambas.

[...]

O Mundo consiste de coisas concretas. O Caminho (Dao), é o Caminho das coisas concretas, e elas não podem ser assim chamadas se não estão no Caminho. As pessoas costumam pensar que, sem uma forma, algo não pode ser concreto. Contudo, o que não é concreto simplesmente não está no Caminho. O Sábio compreende isso melhor que os Educados, e estes sabem distinguir tais coisas melhor do que as pessoas comuns. No entanto, um homem ou mulher comuns podem fazer coisas que os sábios não conseguem. Uma pessoa pode ser ignorante do Caminho e segui-lo, mesmo sem saber o que é concreto, ou reconhecer tais diferenças. Poucos são capazes de compreender e afirmar que, sem o concreto, não há Caminho, mas essa é a verdade.

Nos tempos antigos de caos e desordem, não havia trono à que se curvar; nos tempos de Yao e Shun, não havia misericórdia para os que sofriam, nem punição para os maus soberanos. Durante Han e Tang, não existiam dinastias como as de hoje, e as de amanhã não serão iguais também. Antes dos arcos não havia flechas, e não existia arqueria; antes dos carros e cavalos, não existia a condução; antes dos sacrifícios de bois e vinho, de jade e seda, dos sinos, flautas e violas, não existiam nem ritos nem música. Assim, não há pai que não seja filho, nem irmão que seja mais velho sem um mais novo. Só existe as coisas em potencial.

Portanto, quando algo não se concretiza, não é de fato algo concreto, e esse não pode ser o Caminho. Essa é a verdade. [O Caminho é concreto], Apenas as pessoas ainda não entenderam isso. Os sábio de antigamente podiam administrar as coisas concretas, mas não conseguiam compreender esse Caminho. O Caminho significa [de fato] cuidar das coisas concretas. Quando se cumpre esse Caminho, se atinge a virtude. Quando o concreto está completo, nós chamamos isso de operação. Quando as coisas concretas operam dentro de suas funções, nós chamamos isso de transformação e combinação. Quando os efeitos aparecem [se manifestam], nós chamamos isso de realização.



24.Maozedong
Maozedong (ou Mao Tse Tung na grafia antiga, 18189+1976) não foi o único revolucionário comunista da China, mas com certeza foi o mais importante para o estabelecimento da revolução no país. Mao fez parte de uma geração disposta a romper com o passado e adotar algumas teorias ocidentais para reformar a China e tirá-la do caos histórico em que ela havia se instalado no início do século 20. A atração do comunismo era grande entre os intelectuais chineses da época; comunitário, igualitário, universalista, respeitador de culturas e diferenças étnicas, as teorias de Marx e Engels pareciam um caminho válido para fazer a China entrar na modernidade, já que as experiências com o capitalismo haviam sido péssimas. Contudo, a originalidade da proposta de Mao foi interpretar o marxismo à luz das condições econômicas e sociais da China, adaptando-o a sua realidade. Estas medidas garantiram a eficácia da revolução maoísta, calcada no apoio popular camponês. No trecho a seguir, Mao discute os aspectos da Contradição, realizando uma síntese curiosa (embora não declarada) entre a dialética marxista e o velho sistema de oposição complementar chinês, determinada pelo máximo supremo (Taiji); no final, apresentamos um trecho da polêmica convocação das “cem flores” - em 1957, Mao convocou os intelectuais chineses a estabelecerem um processo de debate interno sobre o governo, a sociedade e o país, visando (ou ao menos, este era o discurso) revelar, como na antiguidade, a diversidade de idéias. O resultado foi o mesmo da época Qin: o número crescente de críticas levou à uma perseguição e ao expurgo de quase todos aqueles que acreditaram em Mao e em sua proposta de renovação.

No estudo de uma questão, é preciso livrar-se do subjetivismo, de proceder a um exame unilateral e ser superficial. Ser subjetivo é não saber encarar uma questão objetivamente, isto é, de um ponto de vista materialista. Disso já falei em "Da prática". O exame unilateral consiste em não saber encarar as questões sob todos os aspectos, ou ainda, ver a parte e não o todo, ver as árvores e não a floresta. Se assim procedermos, e impossível encontrar o método de solucionar as contradições, impossível desempenhar as tarefas da revolução, impossível conduzir bem o trabalho a fazer, Impossível desenvolver corretamente a luta ideológica no Partido. Quando Sunzi, tratando da arte militar, dizia: "Conhece teu adversário e conhece-te a ti mesmo e poderás, sem perigo, travar cem batalhas", ele falava de duas partes beligerantes. Weizheng, sob a dinastia dos Tang, compreendia, também ele, o erro de um exame unilateral, quando dizia: "Quem ouve os dois lados, ficará esclarecido; quem não ouve senão um lado permanecerá nas trevas". Mas nossos camaradas, com freqüência, vêem os problemas de uma maneira unilateral e, daí, muita vez encontram obstáculos... Lênine disse: "Para conhecer realmente um objeto, é preciso abranger e estudar todos os seus aspectos, todas as ligações e "mediações". Jamais o conheceremos integralmente, mas a necessidade de considerá-lo sob todos os aspectos nos evita erros e embotamento". Devemos recordar estas palavras. Ser superficial é não levar em conta as particularidades da contradição em seu conjunto, nem das particularidades de cada um dos aspectos, negar a necessidade de penetrar no fundo das coisas e estudar minuciosamente as particularidades da contradição, contentar-se em olhar de longe e, após uma observação aproximada de alguns traços superficiais da contradição, tentar imediatamente resolvê-Ia (responder a uma pergunta decidir uma controvérsia, conduzir um caso, dirigir uma operação militar). Tal maneira de proceder causa sempre conseqüências desagradáveis... Encarar as coisas de uma maneira unilateral e superficial é ainda subjetivismo, porque, em seu ser objetivo, as coisas estão, de fato, ligadas umas as outras e possuem leis internas; ora, há pessoas que, em vez de refletir nas coisas como elas são, as consideram de uma maneira unilateral, ou superficial, sem conhecer suas ligações mútuas ou suas leis internas; este método é, portanto, subjetivo.

[...]

A lei da contradição inerente às coisas e aos fenômenos, vale dizer, a lei da unidade dos contrários, é a lei fundamental da natureza e da sociedade e, portanto, a lei fundamental do pensamento. Ela é o oposto da concepção metafísica do mundo. Sua descoberta constituiu uma grande revolução na história do conhecimento humano. Segundo o ponto de vista do materialismo dialético, a contradição existe dentro de todos os processos que se desenrolam nas coisas e fenômenos objetivos e no pensamento subjetivo. Ela penetra todos os processos, do princípio ao fim: é aí que estão a universalidade e o caráter absoluto da contradição. Cada contradição e cada um de seus aspectos têm suas respectivas particulares; é aí que residem o caráter específico e o caráter relativo da contradição. Dentro de determinadas condições há identidade dos contrários. Estes podem, portanto, coexistir na unidade e se transformar um no outro; é nisso igualmente que residem o caráter específico e o caráter relativo da contradição. Entretanto, a luta dos contrários é ininterrupta, ela existiu tanto durante sua coexistência quanto no momento de sua conversão recíproca, onde se manifesta com uma evidência particular. É aí agora que residem a universalidade e o caráter absoluto da contradição. Quando estudarmos o caráter específico e o caráter relativo da contradição devemos prestar atenção na diferença entre a contradição principal e as contradições secundárias, entre o aspecto principal e o aspecto secundário da contradição. Quando estudarmos a universalidade da contradição e a luta dos contrários, devemos prestar atenção na diferença entre as formas variadas de luta, senão cometeremos erro. Se, com o término do nosso estudo, tivermos uma idéia clara dos pontos essenciais acima demonstrados, poderemos combater destruindo as concepções dogmáticas que transgridem os princípios fundamentais do marxismo-leninismo e que prejudicam nossa causa revolucionária, e nossos companheiros experimentados estarão em condições de erigir a experiência em princípios para evitar a repetição dos erros do empirismo. Tal é a breve conclusão à qual nos conduziu o estudo da lei da contradição.


[...]

A política "Que cem flores desabrochem, que cem escolas rivalizem" visa a estimular o desenvolvimento da arte e o progresso da ciência, bem como o desabrochar da cultura socialista em nosso país. Nas artes, formas diferentes e estilos diferentes podem desenvolver-se livremente; nas Ciências, as escolas diferentes encarar-se-ão livremente. Seria, a nosso ver, prejudicial ao desenvolvimento da arte e da ciência recorrer às medidas administrativas para impor tal estilo ou tal escola e proibir esse outro estilo, essa outra escola. O verdadeiro e o falso em arte e ciência é uma questão que deve ser resolvido pêlo livre debate nos meios artísticos e científicos, pela prática da arte e da ciência e não por métodos simplistas.


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